domingo, 15 de novembro de 2020

Retornando aos meus clássicos - Vattimo

 Há alguns livros aos quais sempre retorno. Naturalmente, como tradição protestante, e por desejo mesmo, sempre revisito os livros bíblicos. Ao lado deles, alguns que tiveram maior importância na formação do meu pensamento também são revisitados continuamente. Entre eles, "Depois de Cristandade", de Gianni Vattimo (1936 - ), filósofo italiano, que me foi indicado há uns dez anos atrás pelo Felipe Coimbra. 

No início do livro, Vattimo narra brevemente seu reencontro com a fé cristã, a partir de uma jornada pela teologia e pela filosofia. Ainda adolescente, "frequentava a paróquia, e foi ali que se formaram as minhas atitudes diante do mundo e dos outros", "queria contribuir para a formação de um novo humanismo cristão, livre tanto do individualismo liberal, quanto do coletivismo e do determinismo marxista" - que tarefa....

Embora não esteja bem claro como isso ocorreu, em algum momento Vattimo distanciou-se desses propósitos originais, e daquela fé desenvolvida na paróquia. Em algum momento posterior, começou a estudar Nietzsche e Heiddeger, que lhe "pareciam ser os críticos mais radicais da modernidade. E foi justamente através destes autores que são não apenas antimodernos, mas também - sobretudo Nietzsche - anticristãos, que fui reconduzido, paradoxalmente, à fé cristã ou a algo que se parece muito com ela".

Para Vattimo, a morte de Deus em Nietzsche, que corresponderia ao fim da metafísica em Heidegger, signficava a possibilidade de dissolver "a ilusão de que se pode demonstrar que o real é feito de  uma determinada maneira e que possui um determinado fundamento definitivo", e de descartar "a teologia natural, que a metafísica escolástica havia construído, com base na razão natural, a existência de um ser supremo - causa, finalidade, etc. do mundo - e, depois, a partir de tal pressuposto, passar a ouvir a revelação". Vattimo deixa de crer "em um tal Deus, no sentido 'forte' da palavra, com se a sua realidade tivesse sido demonstrada melhor do que aquela das coisas sensíveis ou dos objetos da física e da matemática".

Esse é um terreno escorregadio... Que não aceita a teologia sistemática, que não procura definir Deus nem leis fundantes da existência, um Deus que "não 'existe' como uma realidade objetiva fora do anúncio da salvação". E, pior... "Trata-se de um Deus que se apresenta a nós somente no livro, que não 'existe' como realidade objetiva fora do anúncio da salvação que, de formas historicamente mutáveis e predispostas a uma contínua reinterpretação por parte da comunidade dos crentes, nos foi feito pela Sagrada Escritura e pela tradição viva da Igreja".

Esse fio da navalha diz que toda a tentativa teológica humana padece do risco de tentar avançar tanto no conhecimento e na comprovação da hipótese de Deus que se chega à negação da fé, que é o pressuposto de uma possibilidade de relação com Ele. A confirmação da hipótese de Deus é, pois, a negação de Deus. Ele estará sempre inalcançável, ou do contrário não é Deus. E, mais uma vez, pior... trata-se de se desenvolver um conhecimento, de se fazerem reinterpretações, ou, conforme a crise do momento: "atualizações".

Construir a experiência religiosa sobre essa base, ou essa falta de base, parece ser a tentativa de Vattimo: "(...) no Deus da revelação se crê porque 'se ouviu falar' e, portanto, com toda a margem de incerteza que está ligada a todas as coisas que consideramos verdadeiras porque nos foram ditas por alguémem quem confiamos, confiança esta porém condicionada a um sentimento de amizade, de amor ou de respeito". Essa ideia, que me parece um tanto original, é concluída de forma muito provocante:"E, como se sabe, frequentemente o amor é cego e não vê as coisas tal como elas são na sua verdade 'objetiva'".

Procuro não recortar muito mais o texto para que Vattimo mesmo expresse com profundidade sua nova percepção de fê:

"(...) toda autoridade provém de Deus e qualquer afirmação quanto à veracidade ou falsidade de proposições relativas ao mundo se torna possível a partir de uma 'fé' básica que é determinante, mas que possui traços de conjectura, de uma aposta arriscada, ou, enfim, de uma aceitação imposta pela amizade, pelo amor, pela devoçã, pela pietas. Uma semelhante concepção de fé pós-moderna, obviamente, não tem nada a ver com a aceitação de dogmas rigidamente definidos ou de disciplinas impostas por uma autoridade".

Nesse momento, Vattimo aponta para uma necessária consequência deste pensamento no âmbito da eclesiologia - e que mais para a frente no livro ganhará a referência do "cristinianismo arreligioso" de Bonhoeffer: "A Igreja é certamente importante não apenas como veículo da revelação, mas também, e sobretudo, como comunidade dos crentes que, na caridade, ouvem e interpretam livremente (se ajudando e, portanto, igualmente se corrigindo reciprocamente) o sentido da mensagem cristã (...) Talvez somente levando a sério esta utopia, o cristianismo se torne capaz de realizar no mundo pós-moderno a sua vocação de religião universal".