quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Por um Natal sem Jesus

Estamos constantemente tentando incluir Jesus no Natal... Mas, o espírito de Jesus de Nazaré já está lá, na ideia dos presentes que se dão. O consumismo da época tem uma boa causa: não é próprio, é para o outro. Além disso, dá trabalho para muita gente, movimenta a economia, gera muitas ações de solidariedade, enfim, aquele espírito generoso de Cristo é o que impulsiona a festa.

No entanto, o Natal ganhou uma dimensão de universalidade que faz com que da festa participem os não-cristãos. Assim sendo, creio que seria adequado desteologizar o Natal. Quem quiser comemorar o nascimento de Jesus, que o faça uma semana antes, ou uma semana depois - eu participo, inclusive. Não precisa ser no dia 25, data na qual o Natal se impôs como uma festa que transcendeu o presépio.

Esse Natal que comemoramos hoje é uma festa secularizada, que se originou com a celebração do nascimento de Jesus. Se a figura de Jesus foi esquecida ao longo dos anos, a ponto de querermos a todo o tempo reinseri-lo na festa, o espírito dele permanece presente. Mais importante do que falar ou lembrar o nome de Jesus é seguir o exemplo de Jesus - no Natal fazemos isso, em larga escala. Está bom, assim.

Alguns autores estão dizendo que a secularização não é o fim do cristianismo, mas um processo interno dele. Mas, isso já é prosa para um outro post.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Reino de Deus é o Reino sem Deus

Nossa, ainda bem que ninguém lê meu blog... Principalmente as pessoas para quem faria sentido que ele fosse escrito: os religiosos de origem protestante.

Ontem me veio essa ideia à mente: o Reino de Deus é o Reino sem Deus. Essa ideia se baseia em duas percepções que se cruzam e se fundem.

A história do reino de Israel no Antigo Testamento é a história do Deus de Israel, que comanda os eventos de forma magnífica, conforme este povo o busca ou dele se afasta. O rumo da história é definido como consequência da obediência ou da desobediência dos israelitas à Lei de Israel. Quando surge o novo reino, a Pedra do sonho de Nabucodonosor que substitui a antiga conformação dos reinos, que é aquele que o anuncia - Jesus - diz que esse reino tem outra natureza, e que não é deste mundo. Passo seguinte é verificar que Deus não mais atua na história como consequência da obediência ou desobediência de um povo, qualquer povo que seja. Essa é a primeira percepção.

A segunda percepção diz respeito ao protagonismo individual que surge, do cidadão do reino instado a amar: é ele que constrói o reino por meio da obediência e da prática da vontade de Deus: "(...) venha o teu reino, seja feita a tua vontade (...)". Conquanto ainda esteja presente o elemento ordenador da história, que é a obediência, a implantação do reino não surge como benção de Deus para o obediente, mas, como consequência de seus atos. Daí que o protagonismo humano se torna efetivamente mais importante.

Se isso faz algum sentido, passou-se de um conceito de conta-corrente, na qual a obediência gerava bençãos de prosperidade (crédito) ou maldição e exílio (débito), para uma situação na qual é a consequência da obediência que produz o ambiente que pode ser chamado de reino de Deus. O indivíduo é reponsável pelo estabelecimento do reino. É o reino de Deus sem Deus, é o reino no qual sua vontade se estabelece pela busca do homem que ama Jesus de Nazaré.

Faz sentido?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Salvação e interpretação

Lendo Vattimo, pude compreender melhor a ideia de porque a salvação anunciada em Jesus pode ser considerada um evento hermenêutico: "Cristo é a interpretação viva do sentido da lei e dos profetas (...) muito embora a salvação esteja essencialmente 'completada' com a encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus, ela ainda espera uma complementação ulterior".

Além disso, diz Vattimo, "em um sentido mais imediato (...) nos referimos à pregação e à explicação pastoral dos textos sagrados aos fiéis". Nessa tradição cristã, demonstra-se com clareza a natureza interpretativa da salvação.

Se a história da salvação não está completa, mas vai se desenrolando e se estabelecendo na história, também a interpretação continua sendo necessária. Ao tempo em que os acontecimentos salvíficos se sucedem, é indispensável compreendê-los.

Para compor melhor essa noção de progressão e continuidade hermenêutica seria muito útil considerar que a interpretação começa na própria Bíblia, em tudo aquilo que é posterior a Jesus, particularmente nas cartas de Paulo. De fato, Paulo olha para Cristo e interpreta sua vida e obra, em modo muitas vezes diverso da própria pregação do Senhor.

Assim, compreendendo que os escritos paulinos são, essencialmente, hermenêuticos, e não fonte inerrante, abrir-se-ia melhor o caminho para o desenvolvimento contínuo da interpretação, ao longo dos tempos.

sábado, 14 de maio de 2011

Fé e contradições

Os fundamentalistas se esforçam para demonstrar que a Bíblia é infalível, que não há nela erros nem contradições. Publicam livros a esse respeito. Nessa sanha, buscam novas exegeses no hebraico e no grego para encontrar significados para as palavras dos textos que nos confundem. É algo que equivale, mais ou menos, a justificar Deus pelos erros que cometeu ao produzir um livro que deveria ser perfeito.

Esse procedimento leva àquilo que é conhecido como dialética do iluminismo: produz o efeito contrário que se supunha que aquele conjunto de conhecimentos produziria! Isso porque a fé surge em meio às dúvidas, às contradições, às incoerências. Se a Bíblia se estabelece como um livro testado e comprovado contra quaisquer falhas - que é o produto desse procedimento dos fundamentalistas - ela deixa o campo da fé, da espiritualidade, e passa a ser ciência.

Às tentativas de descrédito da Bíblia não podem ser opostas ações que tirem dela seu caráter, sua essência. É bom que Cristo seja mencionado apenas nos evangelhos e somente de maneira vaga em outros livros. É bom que os evangelhos guardem algumas contradições. Pois é esse o ambiente no qual surge a fé.

Eu creio, sem porquês. Simplesmente creio, e fiz de Cristo o Senhor de minha existência.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Buscando novas interpretações

Segundo a teologia protestante, a cruz de Cristo é o ato final do projeto de salvação de Deus para o homem, que, mediante a entrega de seu Filho livra o ser humano da condenação. Proponho que a cruz seja vivenciada como o elemento inicial da proposta de Deus para salvação do mundo, constituindo-se, fundamentalmente, em exemplo a ser seguido: toda salvação depende de uma cruz.

O indivíduo é o objeto do amor de Deus e aquele para quem o plano de salvação foi arquitetado. Sua salvação depende de decisão pessoal, ou de ser um escolhido - conforme a vertente agostiniana ou arminiana. Proponho que o objeto do amor de Deus seja deslocado para a humanidade, e que o indivíduo seja compreendido como elemento que colabora para a salvação dessa coletividade, pois a ideia de uma redenção individualizada não condiz com o conceito de reino de Deus.

A salvação e a vida com Deus dependem da consciência quanto aos valores bíblicos e de uma tomada de posição quanto a isso. Proponho que se admita que o ser humano pode ser um cidadão do reino de Deus sem nem mesmo tomar conhecimento da existência de um reino e do Senhor desse reino, bastando, para isso, que seja orientado para e viva conforme os valores do reino. Se a redenção pode ser alcançada independentemente da consciência, perde relevância o conhecimento e a apologia da verdade, pois o valor maior que se sobressai é a marca mais característica do reino: a justiça.

A igreja é compreendida como a reunião dos indivíduos que aceitaram a mensagem da salvação, ou que estão no processo de aceitar, e tem como objetivo espalhar essa mensagem na busca por novas adesões. É uma instituição divina fundada por Cristo. Proponho que se enxergue a igreja como a reunião de pessoas que querem servir ao próximo, e, assim, tornarem-se semelhantes a Cristo, um ente que não se entende como tendo origem divina, mas, fruto da intenção humana de seguir a Jesus.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

"Para quê" ou "O que vou fazer com isso?"

Diante das situações críticas, em particular, muitas vezes nos perguntamos porque estamos passando por aquilo. Como a pergunta acerca da razão implica uma certa revolta e rebeldia, alguns viram a necessidade de mudar a pergunta para um funcionalista "para quê"?

Acreditar que tudo tem um "para quê" corresponde a acreditar no destino, ou na vontade soberana de Deus que governa o universo em todos os seus detalhes. No fundo, uma crença não difere da outra.

Talvez a melhor opção seja: o que vou fazer com isso, ou, o que vou fazer a partir disso? Supera-se a visão funcionalista da existência, na qual tudo tem que ter e de fato tem um motivo que, ao final, restará comprovado diante de mim e justificará a ação a princípio incompreensível de Deus.

É muito difícil viver assim. Mais prático é entender que ficamos doentes porque todos ficam doentes, ou que pegamos uma chuva enorme porque a chuva cai sobre os bons e sobre os maus. Valeria a pena viver a vida assim pela simples praticidade, mas a simples verdade é que ninguém está livre de ficar doente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

De novo o mistério da fé

Nos últimos anos, uma afirmação de Jesus, em particular, tem tomado muito tempo de minhas reflexões teológicas: "seja feito conforme a tua fé".

Aqui, se tivermos coragem de admitir, veremos que a fé é colocada como um elemento autônomo, sem objeto. Não se trata de fé em Cristo, trata-se apenas de fé. Essa é uma contestação perturbadora: o próprio Cristo não exigiu que a fé que move montanhas fosse fé nele, Cristo.

Além disso, e talvez seja necessário ainda mais coragem para admitir, a fonte do poder que resolve o problema não é ele, Cristo, mas aquele que tem fé. Isso está implícito também no texto que fala da fé que move montanhas.

É assim que enxergo os textos. Talvez os doutores em grego possam me provar o contrário. No português me parece bem claro: Cristo não tem uma visão cristã sobre fé - como de resto, não tem também sobre outras questões.

Dois alertas: eu preferia não chegar a tal conclusão, pois essa fé autônoma é o objeto do desejo da autoajuda, e se encaixa bem com a teologia da prosperidade; e, a reflexão aqui não tem o objetivo de minimizar o poder de Cristo.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Eis aqui a tua igreja

Essa afirmação explicita uma presunção dos crentes: que Deus tenha criado essa organização, e que ela seja seu instrumento para agir na Terra. Será isso mesmo?

Essa presunção contém uma dificuldade: se a igreja é de Deus, qual igreja é de Deus? Porque, se a igreja x é de Deus, isso implica, necessariamente, que aquelas que estão em contradição a ela não sejam de Deus. Ou será que cada uma tem um pouquinho de inspiração divina, e a igreja, de fato, seja essa elaboração etérea chama de igreja invisível?

Não vou seguir com essa argumentação, porque o propósito dela é apenas demonstrar a dificuldade que existe em considerar que a Igreja seja uma instituição divina. Nessa linha, vale argumentar, inclusive, que a infalibilidade papal é um conceito em sintonia com a ideia da divindade dessa organização.

A presunção de divindade faz mal à igreja. Se se considerar que ela é uma organização humana que se propõe a servir a Cristo, possivelmente se tornará mais saudável.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O desafio da Teologia

Teologia Sistemática, em si, é uma ideia contraditória. Como sistematizar Deus? A explicação tangenciada de que, na verdade, trata-se de conhecimento sobre Deus, e não de Deus em si, não resolve o problema. Em ultima instância, quer-se sistemativar Deus. Se Deus pode ser compreendido de maneira sistemática por alguém, aquele que o sistematizou tornou-se maior do que Ele.

Seria um esforco hercúleo sistematizar teologicamente os sinóticos. Jesus não se preocupou com teologia. Os textos daqueles evangelhos mostram que a preocupação dele era a vida. Seus discursos versam sobre questões práticas, cotidianas. Deixou de lado qualquer reflexão teológica e muito menos se preocupou em tratar de qualquer questão de maneira sistemática.

O que se considera como virtude - a construção do conhecimento sobre Deus - talvez não passe de fraqueza: não conseguimos viver imitando-o, queremos segui-lo se pudermos entendê-lo - ou algo assim.