sábado, 5 de dezembro de 2009

Ainda sobre Brunelli

Temos que parar de vociferar contra Brunelli e avaliar o que está errado. Estou revoltado com ele, sem dúvida, não gosto dele e nunca gostei.

Mas, essa ira é pouco produtiva e não nos leva a lugar algum. Brunelli é simplesmente o produto de nossos enganos - nada mais.

O que temos que fazer é rever a caminhada - a teologia em particular.

Discursos moralistas e condenatórios não farão efeito algum; o protestantismo, como está, não tem mais o que oferecer.

O problema é de fundo, e precisamos de coragem para enfrentar os fatos e suas causas.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Brunelli e o ocaso do protestantismo

A questão que coloco é saber se Brunelli é produto ou negação do protestantismo. Se ele é produto, torna-se necessário rever o protestantismo, se ele é a negação, expurga-se Brunelli. Defendo que Brunelli seja produto, consequência natural da exploração extrema dos princípios fundamentais do protestantismo.

O indivíduo Brunelli, por si, não haveria de determinar a revisão do protestantismo - isso não faria sentido. Brunelli é tomado aqui como o emblema de uma geração evangélica que tem produzido crentes pragmáticos tanto na vivência da fé como na conduta mundana.

De tão emblemático, o episódio da oração de Brunelli contém elementos que apresentam adequados a servir de base para a argumentação aqui proposta. Por motivos didáticos, procurei esboçar a proposta mediante a substituição dos princípios fundamentais do protestantismo por outros semelhantes.

Autoridade suprema de Cristo, em detrimento da autoridade suprema das escrituras. A Bíblia como referência permite que se adotem como padrão diversos de seus personagens, e que se absolutizem as situações ali narradas. Nesse sentido, Jacó pode ser o paradigma do crente moderno, a despeito de sua conduta egocêntrica e trapaceira. Sua conduta, no entanto, não é aceita em condições sociais nas quais já ocorreu o advento do reino de Deus, e a manifestação de Cristo. Nesse ambiente de boas novas, toda conduta há de se submeter ao pressuposto condicionante que é o reino de Deus, e o modelo de cidadão do reino que é Cristo.

A ausência de condenação moral a Jacó na narrativa de Gênesis, e sua escolha para a constituição da nação de Israel, absolutizadas pela autoridade suprema das escrituras, confere ao crente, em função do paradigma, a ideia de que pode dispor das coisas como lhe convem, visto ser ele escolhido. Ele não está vinculado a regras como os demais - é ungido de Deus. Assim é Brunelli.

Em Cristo essa realidade muda de figura, e Jacó aparece como oposição ao procedimento do servo sofredor. Com a autoridade suprema de Cristo, estabelece-se paradigma excludente, no qual qualquer comportamento em oposição ao de Cristo deverá ser rejeitado, não por ser pecaminoso ou por qualquer outra razão de cunho meramente conceitual - será rejeitado porque não se conforma com o padrão de amor, serviço e entrega.

A autoridade suprema de Cristo impõe que a leitura bíblica seja toda feita a partir dele, e escrutinada em função daquilo que falou e viveu.

Diaconato universal de todos os crentes em oposição ao sacerdócio universal de todos os crentes. Lutero ao tentar desmontar a hierarquia e o poder da Igreja, particularmente em relação ao indivíduo, concedeu enorme relevância a essa doutrina periférica no Novo Testamento, que é o sacerdócio universal de todos os crentes. Como elemento de enfrentamento do clero a tese funcionou, mas a custa de elevar todos os crentes à condição de sacerdotes, ou seja, dotados das características próprias deles, em particular o relacionamento privilegiado com Deus, o conhecimento da verdade, a mediação.

Esse simples conceito é o estimulador da fragmentação protestante, na medida em que todos e cada um têm o acesso a Deus e ao conhecimento da verdade, podendo criar suas próprias vias eclesiásticas. Cada um é sacerdote, e cada líder um ungido, escolhido de Deus.

Cristo opôs-se ao sacerdócio, e sua consagração sacerdotal tardia, no livro de Hebreus, é um tanto discutível, visto que ele se apresenta como o servo sofredor. O diaconato, por sua vez, visa incutir no crente a consciência de serviço, de humildade, disposição para a cruz, em oposição ao sacerdote exigente que, por ser próximo a Deus entende-se sujeito de privilégios.

Brunelli é a expressão maior da figura do sacerdote no âmbito evangélico - é o ungido, um mediador, e detentor de privilégios.

O reino de Deus como elemento central do discurso e da prática do crente em oposição ao conceito da salvação pela graça mediante a fé somente. Cristo veio anunciar o reino, e não a salvação das almas dos homens. A salvação remetida para uma vida além dessa promove a acomodação que legitima a ação de Brunelli. Pouco interessa essa vida. Ao contrário disso, o reino que veio e que vem é motivação para a luta diária - nós somos os agentes de sua implantação, à semelhança de Cristo.

O protestantismo contém em si a semente que permite sua releitura. As colocações acima são protesto contra o protestantismo - a apontam para a necessidade de sua revisão. Para quem admite o protestantismo ideologizado isso não será possível, mas para quem o entende como igreja reformada, sempre se reformando, a compreensão pode ser factível.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A oração de Brunelli

Ver o Brunelli orando para agradecer a bênção do dinheiro sujo recebido não me surpreende. Ele, Prudente, Adão Xavier e outros pares sempre deixaram claro que não fazem ideia do que seja o reino de Deus, e, particularmente, os valores desse reino.

É interessante, todavia, notar o processo que leva ao absurdo de se abençoar Durval e o dinheiro advindo da corrupção. Brunelli é o crente que estabelece a dicotomia entre o sacro e o profano, o céu e o inferno, o bem e o mal, sem compreender que, conquanto seja possível estabelecer alguns contornos distintos dessas realidades, nenhum de nós está totalmente identificado com uma ou com outra.

E, pior, ao crer que existem tais distinções, ao adentrar no profano, age conforme as leis desse âmbito profano, visto que as disposições do mundo sacro não dão conta desse novo e estranho mundo. No entanto, mantem algumas práticas sacras, que funcionam no sentido de legitimar o profano, sacralizando-o. Desde que recebidas com ações de graças, quaisquer bênçãos de origem profana podem ser aceitas.

A despeito de toda a identidade que esse crente passa a ter com os não-crentes, o seu mundo permanece dividido entre "nós" e "eles". É interessante, no entanto, que, como já se falou, "nós" acabamos agindo como "eles", e o que traz dinheiro para "nós", apesar de fazer parte "deles", merece a bênção de uma oração. Afinal, se Deus usa até a mula para falar com Balaão porque não poderia usar Durval para abençoar Brunelli? No entanto, Durval, por mais que seja bênção, continua pertencendo a "eles".

Brunelli traz o profano para o sacro, e o santifica. Dinheiro roubado passa a ser bênção: segundo Brunelli, Durval tem sido instrumento de bênção para toda a cidade! Essa passagem é feita mediante outro tráfico iníquo: a privatização do público. Dinheiro de todos que passa a ser, ilegitimamente, propriedade de um.

Cristo nada tem a ver com aqueles que roubam órfãos e viúvas e para justificar fazem longas orações. Arrependei-vos os que praticais a iniquidade, pois está próximo o reino de Deus.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cristo, nome excelente

Jesus Cristo, nome excelente, pois não há nenhum outro sobre a terra pelo qual importa que sejamos salvos. Salvos hoje, de nossas dores e tragédias pessoais e coletivas. O exemplo dele, no entanto, nos leva a sermos o instrumento da salvação, e não o recipiente. Particularmente para os que já o conhecem.

Quem salva outros a si mesmo se salva. Quem segue pelo caminho salvando seur irmãos cura suas próprias feridas. Quem espalha milagres é ao mesmo tempo alcançado por eles. E, se ao final do caminho a porta estreita levar à cruz, não terá havido nada que tenha valido tanto a pena.

sábado, 28 de novembro de 2009

There is a crack in everything...

Há uma falha, uma fissura, uma rachadura em tudo e em todas as coisas.

Essa é a afirmação da música sombria de Leonard Cohen. Remete a toda dor e sofrimento espalhados por todos os lados, gente em desespero, opressão de um homem sobre o outro. Enquanto eu estou sentado em meu escritório vendo o sol da manhã iluminar minha bela casa - e ouvindo Anthem no Youtube, alguns moram no esgoto. Estou acordado e minhas filhas dormem no quarto ao lado, enquanto tantas filhas não chegaram a suas casas - e algumas não chegarão.

Em poucos minutos vou picar uma banana, que comerei com aveia e açucar. Como hoje é sábado, muitas crianças não têm a merenda escolar e nada comerão pela manhã.

Cohen diz: esqueça sua oferta perfeita, há uma rachadura em tudo, e é por ela que a luz penetra.

Toquem os sinos que ainda podem ser tocados!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A interpretação bíblica de Jesus

Autodenominado apóstolo, Paulo alegou ter se encontrado com Jesus. Sua autoridade é autoconcedida. Paulo olha para Jesus Cristo e interpreta sua vida como o Filho do Homem, ele mesmo, não havia feito. A questão que se coloca é: há outra leitura possível?

Os desencontros entre a teologia de Paulo e os evangelhos são evidentes, a ponto de Tiago censurar de maneira até agressiva a ideia da salvação pela fé somente: ...pode semelhante fé salvá-lo?

O conceito da autoridade suprema das Escrituras nos fez, dogmaticamente, fechar os olhos para as inconsistências que se apresentam no Novo Testamento. Como enfrentá-las sem perder a fé que foi erigida sobre a teologia Paulina?

O Cristo que emerge de Paulo não é exatamente o mesmo que viveu na Judeia e na Galileia.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Somente o que for permitido

Kowalski caminhava rapidamente em direção à porta quando um raio queimou o quadro de força de sua casa. A escuridão que tomou conta de sua casa o fez tropeçar no porta-revista que ficava ao lado do sofá, para, em seguida, desabar à frente da escada. A cabeça bateu de leve no primeiro degrau, o suficiente para fazer um galo doído.

Mas, ao mesmo tempo, do outro lado do planeta faltava água em uma pequena ilha da Indonésia.

Quando fazia sua caminhada, na manhã daquele dia, Osmir deu conta de que as mangueiras da capital brasileira já estavam cheias de frutas. Lúcia, que o acompanhava perguntou se ele iria colher algumas para si. Osmir respondeu, com um certo cinismo: só o que for permitido.

A luz não voltou, a água chegou, e as mangas não amadureceram.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Tudo começou com minha desconfiança a respeito de Paulo...

...pois percebi uma grande diferença entre sua mensagem e a de Cristo. Paulo falava de Cristo, não o que Cristo falou. É muito diferente. Ele olha para Cristo e tenta entender sua vida e obra. Cria conceitos, faz teologia. Organiza a igreja, cria inúmeras regras, leis.

Paulo é apóstolo autoproclamado. Seu caminho é distinto daquele de Pedro e demais discípulos. É bem tratado por Pedro, mas dispara contra ele. Paulo é o arauto da verdade, o grande precursor do protestantismo.

Bultman dá graças a Deus por Paulo ter criado o cristianismo como o fez, do contrário, segundo ele, o Caminho teria sido apenas mais uma seita judaica desparecida no tempo.

Paulo trouxe para o evangelho conceitos da filosofia grega que nada tinham a ver com o judaísmo de Cristo e seus discípulos - e prevaleceu.

No mesmo livro colocamos mensagens que chegam próximas à oposição. Nieztche desenvolve essa ideia da oposição entre Paulo e Cristo, em O Anticristo. É categórico a esse respeito. Não tenho condições de fazer a análise tão adequada, mas mesmo que de maneira mais superficial, desconfio de Paulo.

Há coisas boas em Paulo, mas não creio que possamos colocá-lo em pé de igualdade com os evangelhos.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sou da direita reacionária

Sempre desconfiei de mim mesmo.

Afinal, cresci assistindo Combate e torcendo pelo sargento americano, representado pelo ator Vic Morrow, na luta contra os malignos e estúpidos nazistas. Aprendi a torcer pela cavalaria contra os apaches. Fui doutrinado em uma teologia protestante que via na União Soviética o Império do Mal e no Mercado Comum Europeu a besta do Apocalipse. Morei em Brasília toda a minha vida - exceto por curtos períodos fora, um deles de um ano na Califórnia. Assistia aos desfiles militares da ditadura no Eixão. Não fazia ideia de que existia uma guerrilha no Araguaia e acreditava que os terroristas procurados pela ditadura estavam errados ao pegar em armas.

O país que eu mais queria conhecer eram os Estados Unidos. Nunca gostei de Karl Marx, e, a bem da verdade, entendia muito pouco de seus textos. Abominava a ideia de que a Albânia era modelo de qualquer coisa que fosse. Nunca entendi como Fidel Castro pudesse ser exemplo de líder a ser seguido. Tinha enorme dificuldade para aceitar a agressividade, arrogância e superioridade moral do pessoal de esquerda.

É verdade que, em alguns momentos, adotei algumas posturas inadequadas em relação a esse passado capitalista e reacionário. Participei bastante do movimento das Diretas Já. Organizei manifestações de apoio à volta da normalidade democrática. Envolvi-me com a Teologia da Missão Integral da Igreja e com a Teologia da Libertação. Filiei-me ao PPS quando o partido ainda era de esquerda. Votei no Lula desde sempre.

Mas, nos dias de hoje, minha convicção se firmou completamente. Não tenho mais dúvidas.

Vejam só: sou contra e luto contra a corrupção. Acredito que a governabilidade é um mito usado para justificar a ladroagem. Sou a favor da Ficha Limpa. Acho que o TCU deve paralisar obras com irregularidades. Penso que corruptos e demais criminosos devem ser presos.

Sou de direita.

domingo, 27 de setembro de 2009

Cohen and Blackmore's Night

Leonard Cohen e Blackmore's Night invadiram minha praia recentemente.

O primeiro descobri a partir de Shrek, filme no qual conheci a música "Hellellujah". Impressionado com música e letra, fui atrás do autor - Cohen. Descobri um universo de letras profundas, proféticas, existencialistas. Encantei-me com Cohen.

"There is a crack in everything, that's how the light gets in"... "and even though it all went wrong I'll stand before the Lord of songs with nothing on my tongue but Hallellujah"... "ring the bells that still can ring, forget your perfect offering", e por aí vai.

Leonard Cohen é um mundo a ser explorado. Do que conheço, nada mais próximo das letras do reino do que ele.

Blackmore's Night é ritmo, melodia e festa. Ritchie Blackmore era um rockeiro do Deep Purple que secretamente ouvia música renascentista. Com Candice Night formou esse grupo que toca em castelos para, no máximo, 3000 pessoas pagando, no máximo, 25 dólares pela entrada. Go figure...

Ouvi-los é agradável, e elevador. Há preciosidades como Wish You Were Here, Diamonds and Rust, Ocean Gipsy e Just Call my Name.

Espero assisti-los ao vivo. Confira.

domingo, 13 de setembro de 2009

Venha o teu reino, seja feita a tua vontade

A despeito de que se trata de uma oração, a frase acima explicita o viés existencialista do evangelho do reino: sua vinda demanda o protagonismo humano, na medida em que o reino só vem se a vontade de Deus é feita, e feita por nós.

Devemos, portanto, agir como se o reino só se manifestasse a partir daquilo que fazemos, do nosso agir.

No entanto, a experiência cotidiana revela o Deus que age em determinados momentos e situações. Sem, no entanto, nos permitir saber com clareza quando, como e porque age.

E porque Deus age dessa maneira incompreensível, devemos orar como se a vinda do reino dependesse só dele.

sábado, 12 de setembro de 2009

No limiar de uma nova compreensão

Talvez o grande desafio do tempo presente seja a redefinição do significado da cruz de Cristo. Não que alguém esteja preocupado com essa temática - ao contrário, a cruz de Cristo está rapidamente desaparecendo do culto cristão protestante, ao mesmo tempo em que continua com os mesmos significados reducionistas no âmbito católico.

Um dos motivos pelos quais a cruz perdeu espaço no culto protestante diz respeito à impossibilidade de se explicar, logicamente, como a morte de Cristo na cruz pode legar ao ser humano a salvação de sua alma. Esse fundamento da fé cristã é dogmático, inexplicável. Creio que a morte de Cristo produz vida, sim, mas não na perspectiva de que o seu sacrifício opera a salvação do ser humano que, condeando ao inferno por causa de seu rompimento com Deus, está agora com ele reconciliado mediante a morte do Cristo na cruz e com presença assegurada na eternidade dos santos.

Como essa ideia não é compreensível ao homem pós-moderno, acabou sendo deixada de lado. Assim, surge o ambiente adequado para o trágico acontecimento que é o progressivo esquecimento, no âmbito protestante, da morte de Cristo, e morte de cruz.

A releitura do fato vai deixar de lado a antiga ideia (central no protestantismo) de que a morte de Cristo é um presente a ser recebido, para concentrar-se na ideia de que a cruz de Cristo é um exemplo a ser seguido - quem quiser salvar a sua vida deverá tomar cada dia a sua própria cruz. A cruz é o resultado natural da vida que Jesus levou. Possivelmente, aqueles que forem comprometidos com os valores do reino de Deus terão o mesmo destino.

A cruz é a consequencia da coerencia de quem viveu crendo que deveria amar de todo coração a seu próximo. De quem denunciou os homens que, no poder, oprimiam seus semelhantes. De quem negou-se a se conformar com uma sociedade despedaçada e sofrida.

Mas, se já esqueceram a ideia do presente recebido, estariam minimamente dispostos a considerar o exemplo a ser seguido?

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Bodes e ovelhas

É o próprio Cristo quem descreve o tribunal no qual ele, com juiz, separa bodes e ovelhas. Paulo e Lutero diriam que a separação seria entre aqueles que foram salvos pela graça e os que não foram. Agostinho e Calvino diriam que a separação seria feita entre os escolhidos para a salvação e os predestinados à perdição. Alguns religiosos diriam que seria entre aqueles que pertencem às suas igrejas os que não pertencem a igreja alguma. O turma próspera não liga para isso, pois para eles o que interessa à fé é apenas ficar rico na terra. Cristo disse que seria entre os que tinham praticado a misericórdia e os que tinham virado as costas para seus irmãos. Cristo trabalha com a figura do justo, e não com a figura do justificado, que surge em Paulo. Enfrente-se tal questão.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O Deus que (não) intervém

Há uma grande distância entre o Deus dos calvinista e o Deus dos liberais. O primeiro é o soberano interventor, sem cujos comandos nada acontece. O segundo é o observador que deixou a Criação relegada à sua própria sorte.

Há quem creia que nada se faz sem que seja por intermédio da oração, enquanto outros afirmam que Deus não tem outras pernas, braços e mente que não a nossa.

Não sei dizer quem é Deus, e muito menos compreendo sua participação na história, na existência. Talvez o melhor seja orar como se ele nada fizesse a não ser a partir de nossas orações e agir como se ele só agisse por nosso intermédio. O pior, por certo, é não orar e nada fazer.

sábado, 15 de agosto de 2009

O arranjo social em Gênesis

"Portanto, deixará o homem pai e mãe, se unirá a sua mulher e serão os dois uma só carne".

Esse é um dos mandatos de Deus para a humanidade no livro de Gênesis, posteriormente confirmado por Jesus. Trata-se de uma proposta de organização social para a humanidade, para além da simples proposta de cunho moral sexual visualizada por alguns.

Uma família cria seus filhos que, com o tempo, deixam a casa paterna para formarem suas próprias famílias. Esse ajuste tem implicações sócio-econômicas profundas, e é a formulação da organização social proposta na Bíblia.

O padrão sempre prevaleceu na organização social, obviamente com exceções marginais, e constituiu-se, ao longo das eras, a base da evolução social humana. Hoje, há sinalizações de que tal arranjo possa estar sendo substancialmente modificado, com aquilo que era marginal passando a representar uma nova proposta de configuração.

Cito aqui dois exemplos: a relativização do modelo de agrupamento sexual, que foi ali definido como um homem para uma mulher. O movimento homossexual tem redefinido, até aqui marginalmente, esse agrupamento sexual, propondo a união entre homem e homem, e entre mulher e mulher. Quais serão as consequências para a comunidade se esse padrão passar a prevalecer? Pensando na possibilidade extrema, como será a vivência e a perpetuação de uma comunidade 100% homossexual?

O segundo exemplo é a permanência na casa dos pais. Os meios de comunicação tem dado ênfase a essa nova realidade. Filhos que permanecem em casa consomem recursos dos pais, e grande parte dos seus recursos que seriam investidos em moradia, alimentação e gastos correlatos vão para outras "rubricas". Ao mesmo tempo, adiam o casamento, ou simplesmente não se casam, e não reproduzem.

Vislumbro que o mandato, por ser dado pelo Criador, é o mais adequado à humanidade, que, no entanto, vai fazendo suas escolhas. As variações marginais não afetam sensivelmente a ordem. Uma nova ordem que pode estar se impondo trará consequências ainda imprevisíveis.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Let the river run (Carly Simon)

Deixe que corra o rio, deixe que todos os sonhadores acordem a nação, que venha a nova Jerusalém.

Acordem todos os que dormem e arrependam-se os que praticam o mal, pois já se fazem ouvir as acusações contra os moradores dessa terra, pois seu clamor chegou aos céus. Vem, e vem sem demora, o juízo sobre os injustos, que roubam os pobres, e oprimem as viúvas, e sobre os que, vendo tudo isso, se calam.

As crianças foram abandonadas, os velhos esquecidos. Os esgotos correm a céu aberto, as escolas estão despedaçados e os médicos fogem dos postos de saúde mas não deixam de receber seus salários. Os que se elegem pagam por seus votos e os eleitores alegremente os vendem, por qualquer valor.

Mas vem sobre essa terra o juízo pois nela não se encontraram nem mesmo cinco justos.

Esse juízo é terrível, e vem primeiro sobre a cabeça dos que se dizem representantes do Altíssimo, pois eles transgrediram e transformaram seu nome em chacota. Pois eles não conhecem Jesus e muito menos seu reino. Dão ordens aos céus, enquanto roubam dinheiro do povo. Ai de vós.

Esse mundo está contra Deus.

Ainda há lugar de arrependimento para todos os injustos e acomodados. Ainda é tempo de conversão. Buscai ao Senhor enquanto está perto.

Na luz da madrugada...

... minha alma acorda e brada, bendito seja Deus!

Benditos sejam, também, esses caminhantes que se levantam antes da aurora e protestam contra a morte, bendita seja a sua descendência que herdará uma terra habitável, benditos sejam os seus pés, que anunciam boas novas, benditos sejam seus caminhos pelo sertão no Piauí, terra de Oeiras.

Benditos sejam vocês, combatentes da Força Tarefa Popular enquanto somem na noite ainda escura pelo acostamento das estradas carregandos suas bandeiras, suas boinas amarelas. Benditas aquelas que os geraram, benditos aqueles que os conhecem, benditas sejam suas casas.

Benditos sejam vocês, Totó, César, Carlos, Raquel, Arimatéia, Goreti, Lenilson e João Batista.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Morte, e morte de cruz

A morte de Jesus na cruz significa sacrifício vicário (substitutivo) ou exemplo a ser seguido? Significa que alguém pagou pena por outro, ou que o outro também deve entregar sua vida pelos demais?

A teologia construída por Paulo, e manifesta também na carta aos hebreus, explora significativamente a idéia da morte expiatória de Jesus. Jesus, mesmo, não trata da questão com essa ênfase.

A morte de Jesus parece ser a consequência natural de uma vida que se pautou exclusivamente por valores do reino, fato que provocou a reação dos poderosos.

A pergunta que se segue: devemos descansar na morte de Jesus, por ser ela o emblema da salvação do ser humano, ou dedicarmos nossas vidas ao reino a ponto de corrermos o risco de enfrentarmos uma cruz?

Creio ser necessário dar resposta satisfatória a essa questão, ou, alternativamente, fazer a pergunta certa, caso essa seja a pergunta errada.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A virtude

Já dá para perceber que estou impregnado de Robespierre e da Revolução Francesa... Nesse momento, comento o conceito tão usado pelo Incorruptível, que, na verdade, o toma de Rousseau. Virtude, para ele, é dom supremo, mediante o qual o ser ama e dedica-se à nação, de maneira desprendida vivendo para todos e não só para si.

A Revolução Francesa é marcada por uma fantástica espiritualidade secularizada. Conquanto um de seus alvos de combate seja o clero, sua convocação desenvolve conceitos e linguagem eminentemente religiosos, na medida em que apela para a conversão do ser. Da Revolução deveria surgir o novo ser humano, virtuoso.

Nessa linha de pensamento, o foco na busca do prazer individual é a antítese da virtude, na medida em que o indivíduo deixa de se importar com o povo para satisfazer desejos pessoais. Ainda que a Revolução não se aproprie da cruz, nada há de mais virtuoso do que ela.

Para pensar, e desenvolver melhor.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Robespierre, o incorruptível, a moral e as instituições

Acabo de ler o excelente livro de David P. Jordan sobre a atuação de Robespierre nos anos da Revolução Francesa. Segundo Jordan, amigos e inimigos, desafetos e admiradores, todos reconheciam a integridade de Robespierre, "O Incorruptível".

A despeito de ter sido ele uma das expressões máximas de um período conhecido como Terror, passou para a história conhecido como um homem não corruptível, para quem a virtude era o bem supremo.

Robespierre via a Revolução como a restauração, ou, antes, a introdução de uma nova moralidade, expressa, basicamente, na idéia de que aquele que se identifica com seu semelhante, que assume como suas as causas que são do povo, que é capaz de se compreender como ser comunitário, esse é o novo homem de espírito revolucionário, o produto necessário de toda aquela agitação do final do século XVIII.

Ele era a encarnação viva de seus conceitos, e mais. Desprendido, sem apego aos bens materiais, de vida simples, aparência bem cultivada mas despojada, recatado e casto, Robespierre não decepcionou àqueles que nele viram o modelo da virtude.

Deixo de comentar, até pelo pequeno conhecimento da matéria, a aparente contradição entre esse novo homem revolucionário e o governante sanguinário como muitos o enxergavam. Quanto a isso, creio apenas que suas posições foram o resultado natural de sua própria conduta e condicionamento conceitual, aplicados ao tempo em que viveu.

O que me interessa, nesse momento, é essa forte postulação moral da Revolução, que, conquanto encontrava nele sua melhor expressão, vazava para todo o movimento e tornava-se tema de tantos outros portagonistas do movimento.

No trabalho diário de combate à corrupção, muitos os atores nele envolvidos recusam-se a abordar a questão sob o prisma da moral. Segundo eles, a luta contra esse câncer se dá na via do aperfeiçoamento institucional. Concordo, em parte, com essa percepção.

Olhando com realismo para nosso trabalho, no entanto, percebo que lutamos em duas frentes. De um lado, queremos fazer com que as instituições funcionem, com que o Poder Judiciário condene corruptos, com que os Tribunais de Contas condenem os maus gestores, etc. De outro, fazemos a pregação moral de Robespierre, convidando os indivíduos a tornarem-se seres gregários em sua essência. Fugirem de seu egocentrimo para se dedicarem às causas públicas.

A religião protestante, em grande medida, acreditou que a imposição da moral puritana poderia salvar a humanidade, e modificar a sociedade. Homens transformados transformando a nação. Em grande medida, isso não funcionou (vide o crescimento explosivo dos evangélicos no Brasil). Há algum paralelo com Robespierre, na medida em que ele parecia acreditar que a grande Revolução que dirigia era moral, ou essencialmente moral.

Conceitualmente, não sei afirmar o que é certo e o que é possível. Na prática, nossa luta contra a corrupção tem proposto uma reforma moral e o funcionamento das instituições. Para uma próxima postagem talvez valesse a pena relembrar a sociedade criada por Wilberforce para a recuperação dos valores morais na sociedade de seu tempo.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Espírito revolucionário

Lendo acerca de Robespierre encanta-me sentir, ainda hoje, os ventos libertários que sopraram sobre a França do século XVIII. Dura tarefa, de tão difícil consolidação, a vitória sobre o patrimonialismo, o despotismo e ismos associados.

Sinto soprar esses ventos hoje aqui, no Brasil de 2009, ao andar pelos pequenos municípios no interior do País. Cidadãos revolucionários, que no mais das vezes não vislumbram a possibilidade do alcance de suas ações. Menos ainda os representantes do Poder Público podem ver o que se aproxima.

Se foi um desafio imenso a luta contra a realeza, da mesma forma é inglória a insurreição contra os alcaides municipais que se entendem Luís XVI ou ascendentes: são os donos de tudo o que deveria ser de todos. Mas, há claros sinais de mudança.

Se por uma lado se especializam os bandidos, por outro se conscientizam e partem para a ação muitos cidadãos. O embate é constante.

Florescerão os justos?

domingo, 31 de maio de 2009

Acerca do perdão

Já tentei, anteriormente, esboçar a idéia do perdão ao ser, e não ao fazer - perdoar o outro pelo que ele é. O desenvolvimento lógico desse conceito é o perdão mútuo ao longo do tempo, no passar dos anos.

O perdão pontual normalmente é mais dolorido no momento, mas cria uma forte sensação de leveza a seguir. O perdão "a longo prazo" é um exercício de dor e paciência continuas, tendo como resultado a leveza mais fragmentada.

Para o estabelecimento de relações saudáveis é necessário o perdão do ser, continuamente.

As relações se corroem na medida em que não conseguimos praticar o perdão contínuo. E o beco sem saída se constata quando enfrentamos o fato de que não é possível viver sem estabelecer relações de convivência.

A prisão do ser nesse ciclo que parece sem fim é resultado de um desajuste cósmico, para o qual esperamos a redenção.

Sede de Deus?

Para mim, tem sido comum ouvir: "as pessoas estão com sede de Deus!"

Verdade? Sede de que deus?

A noção da existência de Deus não varia muito. A idéia de Deus pressupõe um ser superior, o criador do Universo e da vida. Sede de Deus implica, portanto, inicialmente, sede do criador.

Outras implicações daí decorrem.

Se há um Deus criador a existência não é um caos destituído de sentido. Há uma vontade divina a ser seguida - ou não. Sede de Deus implica, em segundo lugar, sede da vontade de Deus.

Para os cristãos, tal vontade foi expressa, de maneira concreta e definitiva, na vida de Jesus de Nazaré: vida de serviço e de entrega.

As pessoas não têm sede desse Deus, têm sede de um deus escravo a sua própria vontade. Têm sede de si próprias, de seus desejos e vontades. Muito menos os cristãos demonstram querer o exemplo de seu primeiro irmão.

Estariam de fato, com sede de Deus? Dispostos a seguir um Deus que seja outro e não elas mesmas?

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Acerca do casamento

Casamento por amor é uma instituição recente. Nessa nova configuração, a constituição das famílias deixou de ser vista como questão funcional, como organização social. O indivíduo ganhou importância e tomou as rédeas da decisão sobre sua união conjugal, em detrimento de outros atores sociais que antes faziam os acertos para o casamento dos jovens.

Trata-se de conquista da modernidade. Será mesmo?

Outra conquista, posterior a essa, é a facilidade para se dar fim ao casamento, como consequência lógica do amor que acaba. Se surgiu por causa do amor, desparece na sua falta.

Dietrich Bonhoeffer resolveu o problema, ao escrever, da prisão, uma alocução para o casamento dos amigos Eberdard e Renate Bethdge: "o amor os trouxe até aqui, de agora em diante o casamento é que sustenta o amor de vocês".

Nessa visão, a conquista pessoal não se degenera na irresponsabilidade social.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Fé engajada?

Esse é o título de uma propaganda da Ultimato que acabo de receber. Pergunto-me: existe tal coisa como uma fé não engajada? Acho que não, ainda mais considerando-se que se trata de fé em Jesus Cristo.

Fé em Jesus Cristo significa engajamento no reino de Deus. Essa idéia não admite a estranha possibilidade que foi criada pelo protestantismo: crer sem obedecer, que equivale à fé sem engajamento.

Não existe tal coisa. Seguir Jesus não se resume a essa crença etérea que o protestantismo supõe existir. Seguir Jesus implica, necessariamente, obediência, ou, na linguagem da Ultimato, engajamento.

Do contrário, não se trata de fé em Jesus Cristo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Jesus pregou o reino e o que veio foi a igreja...

A fé cristã protestante é essencialmente paulina. Como ele, pregamos a Cristo, não o que Cristo pregou. Isso é uma diferença enorme.

A identidade com Cristo demanda pregar o que ele pregou e viver o que ele viveu. Falar dele, como quem conta uma história que ouviu, não faz de ninguém discípulo dele.

Cristo anunciou o reino, Paulo comandou a expansão inicial da igreja.

Já tivemos bastante da igreja - e pouco dessa experiência tem a ver com o reino. É hora de tentar encontrar outro caminho, o caminho do reino.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Minha eklesia

Jesus não veio fundar a igreja: veio pregar o reino. Nós inventamos a igreja e atribuímos esse feito a ele. O que agrava o problema, que já se denota nessa simples introdução, é que passamos a considerá-la instituição divina. Daí, sacralizou-se tudo o que ela faz e diz, como se fosse de autoria do próprio Jesus. Se ao menos nos entendêssemos como igreja para Jesus e não de Jesus, os resultados seriam menos danosos.

O que é pior? O que nega o reino e luta contra ele, ou o que chama a luz de escuridade, ou seja diz que é o reino aquilo que de fato não é?

Grave situação...

Jesus falou pouco o termo igreja. E, quando o usou, não definiu o que seria. Minha igreja, ou minha eklesia, como disse a Pedro e demais discípulos, era só uma referência ao grupo de seus seguidores. Nada tinha a ver com tudo isso que criamos.

Jesus trouxe-nos o reino, nós legamos ao mundo a igreja. Jesus pregou a justiça, nós nos degladiamos por causa da verdade. Jesus fez o templo se quebrar, nós criamos uma infinidade de templos. Jesus morreu na cruz por amor ao mundo, nós buscamos correr para o abraço e festejar nossa doce vida.

Não sei se há alguma chance de retornarmos ao caminho... vamos tentar...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Deus não sonha

Sonhos são próprios de quem não conhece o futuro, o que não é o caso de Deus. Deus não tem sonhos, tem vontade. E nem pode-se dizer que tenha vontades, no plural, o que faria dele um Deus caprichoso, manhoso. Ele tem apenas vontade.

Deus tem vontade, não tem sonho, nem sonhos.

Essa categoria de sentimento humano não cabe em Deus. Não só pelo que já se falou, mas, também, por causa da inevitável compreensão de que sonhos resultam, necessariamente, em sucesso, em vitória, em conquista.

A vontade de Deus para Jesus, seu filho, foi que ele entregasse sua vida por outras pessoas. Esse tipo de esquisitice paternal não cabe, a meu ver, naquilo que se entende por sonho. Para piorar as coisas, segue-se que se Deus quis isso para Jesus, pode ter para nossas vidas vontade tão esquisita quanto aquela.

Uma música que trabalha nessa linha dos sonhos de Deus diz que eu não vou morrer enquanto Deus não cumprir os sonhos que ele sonhou para mim. No caso do filho, o sonho era a própria morte...

Deus esquisito, pai esquisito. Você encara sonhos como esse?