domingo, 11 de novembro de 2012

Campos missionários

Era um domingo de manhã, há quatro anos, atrás, quando eu entrei no plenário central da XIII IACC (Conferência Internacional Anti-Corrupção), promovida pela Transparência Internacional (TI), em Atenas. O ambiente era de culto protestante, sensação que aumentou quando Frank Vogl tomou a palavra e discorreu sobre salvar os pobres de sua pobreza.

Frank Vogl é a alma do movimento criado pela TI, seu profeta visionário.

O ânimo daqueles que lutam contra a corrupção assemelha-se ao dos missionários protestantes que partem para todas as regiões do mundo desejosos de compartilhar as boas novas do evangelho. O ambiente no qual se travam os debates se assemelha em espiritualidade aos congressos missionários dessas igrejas.

Para Gianni Vattimo, esse tipo de atividade (combate à corrupção) é nada mais nada menos do que a vivência concreta da mensagem de Cristo, no âmbito do processo de secularização que não significa uma superação do cristianismo, mas sua extensão às questões concretas da humanidade. Esse processo seria, portanto, intrínseco ao cristianismo.

Ontem tivemos o encerramento da XV IACC, aqui em Brasília. No "culto" de encerramento, Barry O'Keefe indicou o país escolhido para a próxima IACC: a Tunísia. Emoção no Plenário. A Jasmine Revolution, que tirou do poder o ditador que por ali ficou por 23 anos ainda é fato recente. Segundo o representante do governo tunisiano, presente ao encontro, aquele país deseja seguir no caminho da integridade na gestão dos recursos públicos. Enquanto ele discursava, eram exibidos slides da revolução, dos protestos, das marchas, das caminhadas. Fiquei emocionado.

Salvo algum fato de maior importância, estarei na Tunísia em 2014, esse campo missionário.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Reforma Protestante


Fazendo uma análise sincera do quadro protestante atual, parece que não há muito o que comemorar no 495º da Reforma Protestante. Em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano alemão Martinho Lutero pregou (literalmente) 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg, cidade da saxônia alemã. Tal documento poderia ser pregado hoje, igualmente, em portas de igrejas evangélicas em protesto contra suas práticas extremamente parecidas com os exageros de Tetzel[1].

Roger Olson[2], em seu ótimo livro História da Teologia Cristã, resume o corpo central da teologia protestante em três pilares aceitos amplamente pelas denominações históricas: a) a salvação pela graça mediante a fé; b) o sacerdócio universal de todos os crentes; e c) a autoridade suprema das escrituras. Já procurei tratar, anteriormente, de uma proposta de revisão desses institutos em post do dia 4/12/2009, o que não é o tema deste comentário.

No entanto, a característica primária do protestantismo não é seu ideário, ou sua teologia. Antes, o marco central deste movimento é o protesto em si, é a capacidade de rebelião contra um estado de coisas que obscurece Cristo, sua vida, sua cruz e sua ressurreição. Nessa perspectiva é possível o resgate protestante, enquanto tal tarefa é impossível na perspectiva teológica.

A impossibilidade do resgate se dá por dois motivos. O primeiro deles, em função da necessária superação daqueles três institutos teológicos mencionados anteriormente, conforme a análise proposta no texto citado de meu blog, considerando que os reformadores de hoje querem uma volta àqueles princípios. O segundo, porque a ideia do sacerdócio universal de todos os crentes é o germe da autodestruição do protestantismo enquanto sistema teológico, devido à sua necessária fragmentação, largamente praticada atualmente. É impossível reverter esse quadro.

Em minha análise limitada e tendenciosa, considero fundamental e positiva a contribuição do protestantismo para a formação do Ocidente, que segundo Vattimo[3] deve ser necessariamente identificado com Cristandade. Para ele, o atual fenômeno de esvaziamento do cristianismo, na Europa, é um processo interno, intrínseco ao cristianismo, e não sua superação, situação essa que se estabelece, principalmente, no seio das igrejas protestantes. A consequência natural desse pensamento é ver na evolução política desses países a transposição dos valores cristãos – e notadamente protestantes – para a prática quotidiana comunitária, em um movimento que não mais se vale da figura de Cristo mas o segue de maneira concreta.

Do outro lado do oceano, a nação que continua firme em sua prática religiosa mantém profundas rupturas internas, e, no âmbito externo, conspira politicamente contra regimes que a desagradam chegando a despejar bombas sobre alguns deles. O esvaziamento do protestantismo europeu, assim, seria um caminho mais identificado com Cristo do que o protestantismo norte-americano, considerada principalmente sua vertente fundamentalista.

Nesse quadro, ao qual necessariamente acrescentamos a realidade brasileira, muito distinta da europeia e da norte-americana, como já se disse, não cabe a hipótese de resgate teológico do protestantismo, a despeito da boa intenção de muitos pregadores que ressuscitaram mais recentemente a temática da salvação pela graça, mediante a fé somente. Pois esse resgate, além de inviável, dado à fragmentação do universo protestante, não faz sentido quanto ao conteúdo dos fundamentos teológicos, em um mundo cujas perguntas não mais podem ser respondidas por eles.

A alma protestante, no entanto, como já se disse, é o protesto. E, nesse sentido, o protestantismo está vivo, até mesmo naqueles que procuram promover o seu resgate teológico.

Penso que a possibilidade de protesto nos dias de hoje é um retorno minimalista à vida e à pregação de Cristo, ao discipulado como identidade com o Mestre, e à circunscrição de toda experiência religiosa à sua mensagem central: amar ao próximo como a si mesmo. Fora disso, creio que são muito pequenas as possibilidades de permanência e relevância de qualquer movimento que queira manter a identidade cristã. O retorno minimalista a Cristo, no entanto, não prescinde da denúncia, entre outras também possíveis, contra o maquiavelismo das igrejas neopentecostais, a insanidade das igrejas em células que promovem o cabresto dos crentes como sinônimo de discipulado, a dominação das igrejas históricas pelos seus clérigos e o poderio e ostentação ainda perturbadores da igreja católica.



[1] Johann Tetzel foi padre dominicano, célebre pela venda de indulgências para a construção da Basílica de São Pedro, considerado o autor da frase “ao som de cada moeda que cai neste cofre uma alma desprega do purgatório e voa para o paraíso”.
[2] Professor de Teologia na Baylor University, Waco Texas.
[3] Filósofo católico italiano.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O discípulo precisa professar o nome do mestre?

Nova pausa em Isaías - cujo estudo provoca reflexões intensas.

Um discípulo precisa professar, divulgar o nome de seu mestre para ser efetivamente discípulo? Se eu adotar a resistência não-violenta diante de uma situação crítica de opressão não irá demorar muito para que alguém me qualifique como discípulo de Mohandas "Mahatma" Gandhi, ou de Martin Luther King. Ainda que eu mesmo não tenha conhecimento da existência desse movimento na história.

A obrigatoriedade existente no protestantimo de se professar o nome de Cristo como condição para a salvação conduz a uma situação contraditória: professantes que não são discípulos, pois não imitam o mestre. De outro lado, há aqueles que amam o próximo como a si mesmos sem professar o nome de Cristo. São eles seus discípulos? É possível ser discípulo de Cristo sem professar o seu nome?

O próprio Cristo nos traz uma situação análoga. O pai pede a dois filhos que façam algo. Um diz que faria mas não faz. O outro diz que não faria mas faz. Cristo pergunta: quem fez a vontade do Pai? Temos que avaliar bem o valor relativo da confissão, particularmente quando ela é absolutamente despegada da prática da vontade do Pai.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Crise profunda - Isaías 3

Deus, o provedor de Israel, retira o sustento que dá à nação. A situação se tornará tão crítica, e os recursos tão escassos, que não haverá quem deseje governar o país. Aquele a quem sobrou uma roupa é convidado a assumir o trono, que já foi de Davi, mas recusa: ele não é médico - as doenças se espalharam -, e não tem sustento para si e para sua casa.

Como já se viu antes, o povo daquele país afronta seu Deus: "entre o povo, oprimem uns aos outros, cada um, o seu próximo (...) sua língua e as suas obras são contra o Senhor". Pecam contra si mesmos, e fazem mal à sua própria alma. E isso terá consequências graves: "mal lhe irá, porque a sua paga será o que as suas próprias mãos fizeram". Aos poderosos, falta um mínimo de decência: "o que roubaste do pobre está em vossa casa".

Deus diz que oprimir os pobres é uma insanidade: "que há convosco que esmagais o meu povo e moeis a face dos pobres?"

Intrigante é a causa de Deus contra "as filhas de Sião", as hebreias, que andavam de pescoço empinado, cínicas. Faz uma longa lista de seus apetrechos de beleza para, ao final, vaticinar contra elas um destino terrível: em lugar de perfume, podridão, em lugar de cinta, corda, em lugar de encrespadura de cabelo, calvície.

Os homens iriam morrer, e sete mulheres lançariam mão de apenas um homem.

Cenário negro para a terra corrupta.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Páscoa

Pausa em Isaías.

A chamada semana santa é o evento mais importante do cristianismo. Nesses dias comemoram-se os dois acontecimentos fundamentais para a fé cristã: a morte e a ressurreição de Jesus. No entanto, as igrejas limitam-se a umas poucas celebrações, sem explorar com mais intensidade os significados daqueles acontecimentos e sem propor a seus fiéis uma reflexão acerca deles.

Passa-se pela semana santa como se fosse outra qualquer, sem maiores mudanças. Mesmo as tradições repetitivas e destituídas de espiritualidade foram perdidas, como a abstinência de carne ao longo da quaresma e o espancamento público de Judas. Os protestantes deixaram de realizar cultos na quinta-feira a noite e na sexta-feira de manhã. Alguns católicos ainda se abstêm da carne na sexta-feira. No domingo, missas e cultos celebram a ressurreição.

Não é pouca coisa que se está perdendo. A essência da mensagem cristã é a morte sacrificial de Cristo em favor do ser humano. A ressurreição é o anúncio da vida eterna e a fonte da esperança cristã.

Daqui a pouco celebraremos a ceia aqui em casa, pois não concordamos com esse abandono que se faz da morte de Cristo. Vamos ler um texto que fizemos juntando os quatro evangelhos, completando as omissões de cada um, com uma narrativa mais detalhada do evento da morte de Cristo, e também da ressurreição.

A cruz de Cristo carrega mensagens poderosas para os dias de hoje. Vou tentar desenvolver uma delas.

Jesus levou uma vida simples, despojada, cujo foco era pregar a vinda do reino de Deus, curar os doentes e ensinar a todos. Ao viver dessa maneira, irritou profundamente os sacerdotes, que, muito ao contrário disso, comandavam a vida em Israel em função de seu poder político-religioso, mediante a exploração econômica das atividades rituais dos judeus. Não só isso; dominavam o povo mediante o controle opressivo de suas práticas religiosas, contando para isso com uma aliança estratégica com os representantes locais do poder romano, que ocupava aquela região geográfica. A condenação de Jesus se dá por razões óbvias.

O sacerdócio foi, desde muito tempo, a fonte da corrupção religiosa em Israel. Eles foram denunciados repetidas vezes pelos profetas. A essência dessa corrupção está numa mistura explosiva: sustento financeiro, poder político e controle das práticas religiosas.

É do templo que os sacerdotes retiram seu sustento. Esse fato gera, necessariamente, uma situação conflitiva, em função da qual, inúmeras vezes, o sacerdote judeu de ontem e os sacerdotes cristãos de hoje, confundem meios e fins. De maneira muito natural, o sacerdócio vai se tornando uma carreira, e o objetivo principal do desempenho das atividades sacerdotais passam a ser, naturalmente, o sustento próprio. A situação de agrava quando o sacerdócio carismático e personalista encontra concordância dos fiéis em que os recursos do templo sejam totalmente controlados pelo próprio sacerdote.

Esse fenômeno não é uma característica exclusiva do sacerdócio. Ele se manifesta em outras atividades nas quais o sustento financeiro não decorre diretamente de uma atividade comercial ou econômica, como ocorre também no caso da política partidária e no universo das organizações não governamentais (OnGs).

Jesus não se valeu de qualquer recurso advindo de suas atividades. Pelo contrário, tomou o caminho do esvaziamento, que o levou à morte na cruz na qual esteve despido até mesmo de suas roupas. Não deixou qualquer herança de natureza econômico-financeira.

Juntamente com a mensagem tão cristalina que se tira desse fato, vale lembrar que no momento de sua morte rasga-se o véu do santuário, o elemento simbólico mais precioso do poder sacerdotal. Pelo véu passava apenas o sumo-sacerdote, uma vez por ano. Rompido, os sacerdotes não são mais necessários, qualquer um se achega ao lugar santo, até mesmo porque o lugar santo não é mais um lugar, mas uma situação - o reino de Deus está entre vós. Foi suprimido o local físico da adoração, que passa a ser qualquer um no qual a vontade de Deus se realiza, passa a ser o local da efetivação, da concretização do amor ao próximo, a mensagem central do reino.

Igrejas tendem a repetir a experiência do templo judeu, e padres e pastores a repetir a experiência sacerdotal judia. A despeito da clara mensagem de Jesus, por razões que não cabe discutir aqui, o cristianismo cada dia mais retorna a esse modelo condenado por aquele que, supostamente, seria o motivo de tal religiosidade - Cristo.

O Cristo que será celebrado nestes dias é apenas sombra do Cristo histórico. Sua adoração não implica nenhuma reflexão sobre o que foi sua vida, apenas a visão sobre um Cristo idealizado, salvador do mundo, que não tem muito a nos dizer nos dias de hoje. É uma adoração esquizofrênica: não implica identidade ou discipulado. A grande ironia de tudo isso é que quem controla, hoje, a adoração que é feita a Cristo são justamente os sacerdotes, aqueles a quem Cristo rejeitou, rasgando o véu de seu poder corrupto.

Recentemente, Eliana Calmon denunciou os bandidos de toga do Poder Judiciário. Alguns espernearam. Juizes íntegros não se sentiram ameaçados pelas duras palavras da ministra. Sacerdotes do bem não se sintam atacados por esse texto - ele não foi escrito contra vocês.

domingo, 1 de abril de 2012

A soberba do que tem muito - Isaías 2

A previsão de Isaías é espantosa: nações desejando aprender, conhecer os caminhos de Deus. Elas afluirão para Sião, de onde sairá a lei, para Jerusalém, de onde sairá a palavra do Senhor. Nesse momento, Deus julgará entre as nações, mas, surpreendentemente, o resultado é que elas serão corrigidas, e converterão suas espadas em relhas de arados e suas lanças em podadeiras, e a guerra terá fim: uma nação não levantará a espada contra outra nação.

Deus reclama, novamente, e passa a listar os pecados da casa de Jacó:

- Adotaram a corrupção do Oriente;
- Tornaram-se agoureiros;
- Associaram-se com filhos de estranhos;
- Enriqueceram-se;
- Encheram a terra de ídolos.

Daqui vale destacar a condenação do enriquecimento, cuja conceituação é muito interessante: muita prata, tesouros sem conta, muitos carros e cavalos. Onde está o erro, aqui? O livro de Deuteronômio já havia falado sobre isso. Discorrendo acerca do tempo em que os hebreus viriam a ter um rei, o Senhor assim os admoesta:

"Quando entrares na terra que te dá o Senhor (...) estabelecerás com efeito, sobre ti, como rei aquele que o Senhor, teu Deus, escolher (...) porém este não multiplicará para si cavalos (...) tampouco para si multiplicará mulheres, para que seu coração não desvie; nem multiplicará muito para si prata ou ouro".

O conceito do muito tem a ver com a soberba e a altivez que decorrem das posses adquiridas, tema que Isaías trata logo a seguir:

"Os olhos altivos dos homens serão abatidos, sua altivez será humilhada".

E se faz uma descrição ampla da destruição dos altivos, do abate dos arrogantes, dos que pensam de si mesmo como não convém. A linguagem é dura:

"Porque o dia do Senhor dos Exércitos será contra todo soberbo (...) contra todos os cedros do Líbano, altos (...) contra todos os carvalhos de Basã (...) contra todos os montes altos (...) contra todos os navios de Társis (...) A arrogância do homem será abatida e a sua altivez será humilhada (...) Afastai-vos pois do homem cujo fôlego está no seu nariz".

O Senhor se compraz daquele que, mesmo não o conhecendo, tem um coração contrito, agradecido e humilde, e se coloca contra altivos, soberbos e arrogantes.

Naquele dia "só o Senhor será exaltado". Vamos ver se conseguimos uma boa abordagem dessa questão mais a frente. Em algumas passagens como essa, ficamos com a impressão de que o Senhor é um deus manhoso, que exige adoração para não derramar sua fúria sobre todos, um deus que precisa ser pacificado e acalmado mediante oferendas.

domingo, 25 de março de 2012

A derrocada e a redenção de Israel - Isaías 1

Isaías, filho de Amoz, denunciou que Israel era, para o Senhor (YHWH) como um filho rebelde. Fez isso com palavras muito duras: nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade, raça de malignos, filhos corruptores. Dada a relação direta que se estabelecia entre a permanência nos caminhos e estatudos do Senhor e a realidade sócio-econômica daquela nação, tal situação conduzia a uma realidade terrível: terra assolada, cidades consumidas pelo fogo, lavoura devorada por estranhos.

Essa relação é bem clara e explicitada no tecto: se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra; mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do Senhor o disse.

O Senhor diz, por meio de Isaías, que abomina os ritos sacrificiais dissociados da vida reta: estou farto de holocaustos, o incenso para mim é uma abominação, minha alma aborrece as vossas solenidades. A causa disso tudo é explicada com muita clareza: não posso suportar iniquidade associada ao ajuntamento solene. O Senhor não suporta tal hipocrisia. Mas, o que seria a iniquidade daquele povo? Conquanto nossos padrões morais acenem imediatamente com algumas possibilidades, provavelmente nossa lista seja bem diferente daquela que vai ser apresentada por Isaías a seguir. Vejamos.

- Vossas mãos estão cheias de sangue.
- Vossos príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões, amam o suborno e correm atrás de recompensas.
- Vossos príncipes não defendem o direito do órfão e não chega perante eles a causa das viúvas.

E o que o Senhor requer?

- Tirai a maldade dos vossos atos de diante dos meus olhos.
- Cessai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem.
- Atendei à justiça e repreendei ao opressor.
- Defendei o direito do órfão e pleiteai a causa das viúvas.

No entanto, sem outra explicação a não ser o fato de que para o Senhor as relações não se estabelecem exclusivamente a partir de relações causais, há a promessa de redenção para Israel: Sião será redimida pelo direito e os que se arrependem, pela justiça. Restando, todavia, penalidade para transgressores e pecadores: serão juntamente destruídos.

Sim, o Senhor vai reclamar, em outros textos, do fato de Israel ter buscado e adorado outros deuses. Nesse texto, no entanto, não menciona essa questão. O problema aqui é a injustiça, o desamor, a destruição dos fracos e excluídos. O texto é muito claro a esse respeito.

Quanto à redenção de Israel, não ocorreu. Acredito que venha no decurso da história, não fora dela. Talvez em modo ampliado. Creio que no próprio livro de Isaías, o Senhor que até aqui é conhecido como o Deus de Israel vai ser apresentado como o único Deus. Daí pode se esperar um alcance mais amplo para a redenção. Vamos aguardar a leitura dos próximos capítulos para ver aonde nos leva essa aventura.

Observação final: ao explicitar o que é a iniquidade cometida pela nação de Israel o Senhor explica que o protagonismo naquela questão é dos príncipes do povo.

Porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre

Estou devendo esse comentário final sobre a oração de Jesus, e vou ficar devendo por alguns dias, ainda. Fiz consulta a respeito dele a um biblsta, para ter informações sobre a ausência dessa doxologia em alguns textos. Enquanto isso, pularemos para Isaías, com seus textos eloquentes.

domingo, 11 de março de 2012

A família de um homem e uma mulher: ajuste social, não moral

Jesus endossou o direcionamento dado no Gênesis: portanto, deixará o homem pai e mãe, se unirá à sua mulher, e serão uma só carne.

A intepretação religiosa comum diz que esse comando se trata de uma regra de conduta, de um padrão moral. Deixo de lado essa possibilidade para escolher aquela que me parece melhor, mais adequada: trata-se de um padrão de conformação social.

As unidades sociais são famílias constituídas a partir da união de um homem com uma mulher, que deixam o ambiente doméstico pessoal para formar um novo. Assim organiza-se a sociedade ao longo das eras.

Deixando de lado a experiência da poligamia, presente em várias culturas, o modelo dominante é a união homem - mulher, na proporção de um para uma... Novas conformações produzirão novos modelos sociais.

Penso que a conformação proposta por Cristo seja a melhor, na medida em que creio ser ele o criador de todas as coisas.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal

Na linha de pensamento e argumentação que expus até aqui, o mal se caracteriza pela não obediência à vontade de Deus, ou, resumidamente, em não amarmos o próximo. Nesse sentido, a tentação e o mal são, de maneira particular, a vitória do egocentrismo.

O pedido de libertação do mal está relacionado, na frase, com a queda em tentação. Cair em tentação é sofrer o mal. Não se trata do pedido - também válido diante de Deus - de não se tornar vítima do mal, tanto do involuntário, não causado pela vontade humana, como do voluntário, aquele que é produto da ação humana intencional.

A tentação é o desejo, a inclinação, a tendência egocêntrica, e isso produz o mal em e para nós.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Perdoa-nos as nossas dívidas

Assim como nós perdoamos os nossos devedores. Quando pequeno eu corrigi o texto, mudando essa primeira frase para assim como nós deveríamos perdoar os nossos devedores. Eu não contava com os versículos que vêm após o final da oração: porque se vós não perdoardes os vossos devedores tampouco vosso pai vos perdoará as vossas dívidas.

Parece-me restar muito pouco espaço para interpretações, com a elucidação que Jesus faz. O perdão é condicional. Deus me perdoa na medida em que eu perdoo.

Mas, do que Jesus está falando? Quero dizer, o que faço de equivocado que precisa ser perdoado? Será que se trata das longas listas de proibições que as religiões criam, mas que pouco têm a ver com o evangelho de Jesus? Duvido. Elas são códigos nossos, cuja transgressão acarreta sanções imediatas por parte das comunidades que os adotam.

O perdão de Deus refere-se a coisas mais robustas, mais valiosas, mais significativas, mais relevantes. Deus está falando sobre obediência à sua vontade, essencialmente do amor ao próximo. Nossas dívidas referem-se ao que teríamos que fazer e não fizemos, em relação ao próximo, e não ao que supostamente eu não devo fazer e fiz.

Essa inversão é um dos grandes perigos do cristianismo, pois o cristão sente-se em paz se consegue se manter longe dos erros condenados nos códigos religiosos, sabendo ainda que, uma vez cometidos, a questão pode ser resolvida mediante a confissão e o pedido de perdão. Não, efetivamente não são essas as nossas dívidas. Não reputo que esses códigos sejam totalmente sem valor, pelo contrário, eles existem com o fim de se manter estáveis e harmônicas as relações sociais.

Mas, para efeito de aplicação do que Jesus apresenta na oração que nos ensina esses códigos só têm valor na medida em que seus dispositivos não sejam obrigações de não fazer, mas, muito mais do que isso, obrigações de fazer. Obrigações de não fazer só fazem sentido quando, efetivamente, promovem o bem do próximo.

Está em dívida quem deveria fazer e não faz. Há perdão para isso, desde que se perde aqueles que também deveriam ter feito e não fizeram.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje

Pedir o pão significa pedir o mínimo de que precisamos para sobreviver. O alimento, assim como diversos outros objetos de nosso consumo, podem ser chamados de "bênçãos excludentes" - aquelas que, se eu consumir, outros não vão poder consumir. Isso porque os recursos são finitos.

A orientação de Jesus para que peçamos o mínimo está diretamente relacionada com o fato de que não existe suprimento em abundância para todos. A abundância de uns determina a privação de outros. Por isso a necessidade de tomarmos o caminho do esvaziamento. O que eu consumir em excesso determinará a privação de alguém.

O que deixa clara essa necessidade de preocupação com as necessidades do próximo é o fato de que o pão é nosso, não é meu: que o pão nosso, nos seja dado hoje... a todos nós, irmãos, família humana. O desperdício de uns não passa despercebido, pois falta aos outros.

No entanto, como o que se consome em excesso na América falta na África, parece que nós consumidores não temos responsabilidade, o problema seria culpa deles mesmos. Pensando assim, livramo-nos de qualquer preocupação com o bem-estar daqueles que sofrem a falta de alimentos.

No entanto, isso é um grande engano, pois somos responsáveis uns pelos outros.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Assim na terra como no céu

Deus está no céu, segundo Jesus afirma no início da oração. Ele não está aqui, Ele é o Grande Ausente.

No português, ao menos, há uma dubiedade de sentidos na frase título desse post. De duas, uma:

- A vontade do Grande Ausente é feita no céu, e da maneira como é feita lá deve ser feita aqui; ou
- A vontade do Grande Ausente não é feita nem na terra nem no céu, mas devemos pedir a Ele que a realize, aqui e lá.

É tudo que consigo enteder dessa expressão.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O esvaziamento necessário

(Pequena pausa na sequência de posts sobre a oração de Jesus, que logo retorna).

A experiência humana é inversa à de Deus.

O ser humano nasce do nada e sem nada, e ao longo de sua existência acumula e enriquece. Deus é tudo, tem tudo e não é nascido. Aquele que tem tudo e é tudo, no entanto, deixa tudo para se tornar nada. Nada acumula, e na cruz morre sem nada.

Paulo fala na kenosis, a experiência do Deus que, em Cristo, se esvazia. Os teólogos ortodoxos se apressaram em entender uma kenosis que não retirasse de Deus seus atributos, pois, sem eles, não seria Deus. Isso tem pouca relevância para nosso dia a dia. Imitar a kenosis de Cristo, no entanto, faz toda a diferença.

A vida do ser humano dura pouco tempo, é como uma erva que nasce e logo seca. Nesse breve lapso de tempo ele é convidado a inverter seu caminho de acumulação e enriquecimento, para olhar de volta o ventre e desejar o retorno à ausência de bens. Convidado a desfazer a acumulação e o enriquecimento. A caminhar para a cruz da entrega de tudo.

O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Venha o teu reino, seja feita a tua vontade

Esse post é essencialmente conceitual. Vamos lá.

O reino de Deus equivale à vontade de Deus. Ou seja, tanto mais o reino se estabelece quanto mais a vontade de Deus é praticada. Quanto mais de um (vontade de Deus praticada), mais de outro (estabelecimento do reino de Deus), quanto menos de um, menos de outro.

Resta saber, no entanto, o mais difícil: afinal, o que é a vontade de Deus?

A argumentação fácil, mas impossível de ser compreendida, é de que a vontade de Deus são os seus ensinamentos, que estão espalhados por toda a Bíblia. Esse é uma definição inviável, pois da Bíblia se extrai fundamento para posturas e atitudes que podem ser opostas umas às outras.

Minha definição simples é que a vontade de Deus equivale à melhor decisão possível, em cada situação vivenciada, tendo em mente a máxima "amar ao próximo como a si mesmo". Nessa linha de pensamento, não existe um cânon do certo e do errado, uma cartilha a ser seguida, como, mesmo que informalmente, têm todas ou quase todas as religiões.

Dietrich Bonhoeffer explica com clareza que a vontade de Deus só se estabelece nas situações concretas, não existindo o certo e o errado por antecedência. Sua compreensão teológica a respeito do tema vem de sua prática: matar é errado, mas ele entendeu que como discípulo de Cristo deveria participar do atentado contra a vida de Hitler.

É complicado levar esse paradigma, ou ausência de paradigma, às últimas consequências: os seres humanos preferem parâmetros claros e bem estabelecidos que possam seguir, e que possam ser utilizados na hora de se tomar decisões. Do outro lado, existe a liberdade de decidir e arcar com a responsabilidade dos próprios atos, a partir da observação à máxima acima mencionada.

O reino vem não como um passe de mágica, ou um vento que sopra, mas como resultado da orientação em seguir os passos de Jesus de Nazaré, que viveu por amor ao próximo.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Pai nosso que estás nos céus

Deus Pai, é nosso paí. Se é nosso pai, isso inclui o fato de que ele é meu pai. Mas Jesus ensina que oremos chamando-o de nosso, não de meu. Se o pai é nosso, porque os motivos que me levam a buscá-lo são só os meus, e não os nossos? Quando muito, orações alcançam a dimensão coletiva da família, mas a regra é a relação individualizada, principalmente quanto àquilo que ao Pai se pede. Todo o restante da oração de Jesus é feita na primeira pessoa do plural, nós assim a recitamos mas parece que não percebemos esse fato, e não consideramos suas implicações.

Deus está nos céus, Deus não está aqui. Esse é o sentido da afirmação de Jesus: Deus não está aqui. É possível alcançá-lo por meio da oração, mas ele não está aqui. Isso nos induz a pensar que há um grande espaço de protagonismo para nós, que como se vê em outras falas de Jesus não é voluntário, mas obrigatório a quem o segue. No meio disso, no entanto, Deus é um pai que se apresenta e que age. Deixo para a teologia decidir se ele reina mas não governa, ou se reina e governa, ou o quanto reina e o quanto governa. Para nós resta saber que estando ele ausente é grande nossa responsabilidade, e que esse ausente de alguma forma também se faz presente.

No próxims posts vou refletir sobre a vinda do reino e a vontade de Deus. Até hoje não fiz uma reflexão com alguma consistência sobre a santificação do nome de Deus, por isso, essa frase fica para o fim.