quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Reforma Protestante


Fazendo uma análise sincera do quadro protestante atual, parece que não há muito o que comemorar no 495º da Reforma Protestante. Em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano alemão Martinho Lutero pregou (literalmente) 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg, cidade da saxônia alemã. Tal documento poderia ser pregado hoje, igualmente, em portas de igrejas evangélicas em protesto contra suas práticas extremamente parecidas com os exageros de Tetzel[1].

Roger Olson[2], em seu ótimo livro História da Teologia Cristã, resume o corpo central da teologia protestante em três pilares aceitos amplamente pelas denominações históricas: a) a salvação pela graça mediante a fé; b) o sacerdócio universal de todos os crentes; e c) a autoridade suprema das escrituras. Já procurei tratar, anteriormente, de uma proposta de revisão desses institutos em post do dia 4/12/2009, o que não é o tema deste comentário.

No entanto, a característica primária do protestantismo não é seu ideário, ou sua teologia. Antes, o marco central deste movimento é o protesto em si, é a capacidade de rebelião contra um estado de coisas que obscurece Cristo, sua vida, sua cruz e sua ressurreição. Nessa perspectiva é possível o resgate protestante, enquanto tal tarefa é impossível na perspectiva teológica.

A impossibilidade do resgate se dá por dois motivos. O primeiro deles, em função da necessária superação daqueles três institutos teológicos mencionados anteriormente, conforme a análise proposta no texto citado de meu blog, considerando que os reformadores de hoje querem uma volta àqueles princípios. O segundo, porque a ideia do sacerdócio universal de todos os crentes é o germe da autodestruição do protestantismo enquanto sistema teológico, devido à sua necessária fragmentação, largamente praticada atualmente. É impossível reverter esse quadro.

Em minha análise limitada e tendenciosa, considero fundamental e positiva a contribuição do protestantismo para a formação do Ocidente, que segundo Vattimo[3] deve ser necessariamente identificado com Cristandade. Para ele, o atual fenômeno de esvaziamento do cristianismo, na Europa, é um processo interno, intrínseco ao cristianismo, e não sua superação, situação essa que se estabelece, principalmente, no seio das igrejas protestantes. A consequência natural desse pensamento é ver na evolução política desses países a transposição dos valores cristãos – e notadamente protestantes – para a prática quotidiana comunitária, em um movimento que não mais se vale da figura de Cristo mas o segue de maneira concreta.

Do outro lado do oceano, a nação que continua firme em sua prática religiosa mantém profundas rupturas internas, e, no âmbito externo, conspira politicamente contra regimes que a desagradam chegando a despejar bombas sobre alguns deles. O esvaziamento do protestantismo europeu, assim, seria um caminho mais identificado com Cristo do que o protestantismo norte-americano, considerada principalmente sua vertente fundamentalista.

Nesse quadro, ao qual necessariamente acrescentamos a realidade brasileira, muito distinta da europeia e da norte-americana, como já se disse, não cabe a hipótese de resgate teológico do protestantismo, a despeito da boa intenção de muitos pregadores que ressuscitaram mais recentemente a temática da salvação pela graça, mediante a fé somente. Pois esse resgate, além de inviável, dado à fragmentação do universo protestante, não faz sentido quanto ao conteúdo dos fundamentos teológicos, em um mundo cujas perguntas não mais podem ser respondidas por eles.

A alma protestante, no entanto, como já se disse, é o protesto. E, nesse sentido, o protestantismo está vivo, até mesmo naqueles que procuram promover o seu resgate teológico.

Penso que a possibilidade de protesto nos dias de hoje é um retorno minimalista à vida e à pregação de Cristo, ao discipulado como identidade com o Mestre, e à circunscrição de toda experiência religiosa à sua mensagem central: amar ao próximo como a si mesmo. Fora disso, creio que são muito pequenas as possibilidades de permanência e relevância de qualquer movimento que queira manter a identidade cristã. O retorno minimalista a Cristo, no entanto, não prescinde da denúncia, entre outras também possíveis, contra o maquiavelismo das igrejas neopentecostais, a insanidade das igrejas em células que promovem o cabresto dos crentes como sinônimo de discipulado, a dominação das igrejas históricas pelos seus clérigos e o poderio e ostentação ainda perturbadores da igreja católica.



[1] Johann Tetzel foi padre dominicano, célebre pela venda de indulgências para a construção da Basílica de São Pedro, considerado o autor da frase “ao som de cada moeda que cai neste cofre uma alma desprega do purgatório e voa para o paraíso”.
[2] Professor de Teologia na Baylor University, Waco Texas.
[3] Filósofo católico italiano.

Um comentário:

Gustavo Adolpho L. Brandao disse...

Henrique, é isto, e suas palavras lebraram também uma outra pessoa, C S Lewis e suas diferentes abordagens sobre os grupos "protestantes"! Ou ainda P. Tournier, 'Culpa e Graça', ao analisar os efeitos catastróficos e alienantes do cabresteamento feito pelos 'coronéis da fé' e seus currais espirituais, oprimindo pessoas que pensam, um dia, viver o cerne do Evangelho que é vivo pois ainda protesta.
Abração,
Gustavo.