sexta-feira, 20 de maio de 2011

Salvação e interpretação

Lendo Vattimo, pude compreender melhor a ideia de porque a salvação anunciada em Jesus pode ser considerada um evento hermenêutico: "Cristo é a interpretação viva do sentido da lei e dos profetas (...) muito embora a salvação esteja essencialmente 'completada' com a encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus, ela ainda espera uma complementação ulterior".

Além disso, diz Vattimo, "em um sentido mais imediato (...) nos referimos à pregação e à explicação pastoral dos textos sagrados aos fiéis". Nessa tradição cristã, demonstra-se com clareza a natureza interpretativa da salvação.

Se a história da salvação não está completa, mas vai se desenrolando e se estabelecendo na história, também a interpretação continua sendo necessária. Ao tempo em que os acontecimentos salvíficos se sucedem, é indispensável compreendê-los.

Para compor melhor essa noção de progressão e continuidade hermenêutica seria muito útil considerar que a interpretação começa na própria Bíblia, em tudo aquilo que é posterior a Jesus, particularmente nas cartas de Paulo. De fato, Paulo olha para Cristo e interpreta sua vida e obra, em modo muitas vezes diverso da própria pregação do Senhor.

Assim, compreendendo que os escritos paulinos são, essencialmente, hermenêuticos, e não fonte inerrante, abrir-se-ia melhor o caminho para o desenvolvimento contínuo da interpretação, ao longo dos tempos.

sábado, 14 de maio de 2011

Fé e contradições

Os fundamentalistas se esforçam para demonstrar que a Bíblia é infalível, que não há nela erros nem contradições. Publicam livros a esse respeito. Nessa sanha, buscam novas exegeses no hebraico e no grego para encontrar significados para as palavras dos textos que nos confundem. É algo que equivale, mais ou menos, a justificar Deus pelos erros que cometeu ao produzir um livro que deveria ser perfeito.

Esse procedimento leva àquilo que é conhecido como dialética do iluminismo: produz o efeito contrário que se supunha que aquele conjunto de conhecimentos produziria! Isso porque a fé surge em meio às dúvidas, às contradições, às incoerências. Se a Bíblia se estabelece como um livro testado e comprovado contra quaisquer falhas - que é o produto desse procedimento dos fundamentalistas - ela deixa o campo da fé, da espiritualidade, e passa a ser ciência.

Às tentativas de descrédito da Bíblia não podem ser opostas ações que tirem dela seu caráter, sua essência. É bom que Cristo seja mencionado apenas nos evangelhos e somente de maneira vaga em outros livros. É bom que os evangelhos guardem algumas contradições. Pois é esse o ambiente no qual surge a fé.

Eu creio, sem porquês. Simplesmente creio, e fiz de Cristo o Senhor de minha existência.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Buscando novas interpretações

Segundo a teologia protestante, a cruz de Cristo é o ato final do projeto de salvação de Deus para o homem, que, mediante a entrega de seu Filho livra o ser humano da condenação. Proponho que a cruz seja vivenciada como o elemento inicial da proposta de Deus para salvação do mundo, constituindo-se, fundamentalmente, em exemplo a ser seguido: toda salvação depende de uma cruz.

O indivíduo é o objeto do amor de Deus e aquele para quem o plano de salvação foi arquitetado. Sua salvação depende de decisão pessoal, ou de ser um escolhido - conforme a vertente agostiniana ou arminiana. Proponho que o objeto do amor de Deus seja deslocado para a humanidade, e que o indivíduo seja compreendido como elemento que colabora para a salvação dessa coletividade, pois a ideia de uma redenção individualizada não condiz com o conceito de reino de Deus.

A salvação e a vida com Deus dependem da consciência quanto aos valores bíblicos e de uma tomada de posição quanto a isso. Proponho que se admita que o ser humano pode ser um cidadão do reino de Deus sem nem mesmo tomar conhecimento da existência de um reino e do Senhor desse reino, bastando, para isso, que seja orientado para e viva conforme os valores do reino. Se a redenção pode ser alcançada independentemente da consciência, perde relevância o conhecimento e a apologia da verdade, pois o valor maior que se sobressai é a marca mais característica do reino: a justiça.

A igreja é compreendida como a reunião dos indivíduos que aceitaram a mensagem da salvação, ou que estão no processo de aceitar, e tem como objetivo espalhar essa mensagem na busca por novas adesões. É uma instituição divina fundada por Cristo. Proponho que se enxergue a igreja como a reunião de pessoas que querem servir ao próximo, e, assim, tornarem-se semelhantes a Cristo, um ente que não se entende como tendo origem divina, mas, fruto da intenção humana de seguir a Jesus.