terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal

Na linha de pensamento e argumentação que expus até aqui, o mal se caracteriza pela não obediência à vontade de Deus, ou, resumidamente, em não amarmos o próximo. Nesse sentido, a tentação e o mal são, de maneira particular, a vitória do egocentrismo.

O pedido de libertação do mal está relacionado, na frase, com a queda em tentação. Cair em tentação é sofrer o mal. Não se trata do pedido - também válido diante de Deus - de não se tornar vítima do mal, tanto do involuntário, não causado pela vontade humana, como do voluntário, aquele que é produto da ação humana intencional.

A tentação é o desejo, a inclinação, a tendência egocêntrica, e isso produz o mal em e para nós.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Perdoa-nos as nossas dívidas

Assim como nós perdoamos os nossos devedores. Quando pequeno eu corrigi o texto, mudando essa primeira frase para assim como nós deveríamos perdoar os nossos devedores. Eu não contava com os versículos que vêm após o final da oração: porque se vós não perdoardes os vossos devedores tampouco vosso pai vos perdoará as vossas dívidas.

Parece-me restar muito pouco espaço para interpretações, com a elucidação que Jesus faz. O perdão é condicional. Deus me perdoa na medida em que eu perdoo.

Mas, do que Jesus está falando? Quero dizer, o que faço de equivocado que precisa ser perdoado? Será que se trata das longas listas de proibições que as religiões criam, mas que pouco têm a ver com o evangelho de Jesus? Duvido. Elas são códigos nossos, cuja transgressão acarreta sanções imediatas por parte das comunidades que os adotam.

O perdão de Deus refere-se a coisas mais robustas, mais valiosas, mais significativas, mais relevantes. Deus está falando sobre obediência à sua vontade, essencialmente do amor ao próximo. Nossas dívidas referem-se ao que teríamos que fazer e não fizemos, em relação ao próximo, e não ao que supostamente eu não devo fazer e fiz.

Essa inversão é um dos grandes perigos do cristianismo, pois o cristão sente-se em paz se consegue se manter longe dos erros condenados nos códigos religiosos, sabendo ainda que, uma vez cometidos, a questão pode ser resolvida mediante a confissão e o pedido de perdão. Não, efetivamente não são essas as nossas dívidas. Não reputo que esses códigos sejam totalmente sem valor, pelo contrário, eles existem com o fim de se manter estáveis e harmônicas as relações sociais.

Mas, para efeito de aplicação do que Jesus apresenta na oração que nos ensina esses códigos só têm valor na medida em que seus dispositivos não sejam obrigações de não fazer, mas, muito mais do que isso, obrigações de fazer. Obrigações de não fazer só fazem sentido quando, efetivamente, promovem o bem do próximo.

Está em dívida quem deveria fazer e não faz. Há perdão para isso, desde que se perde aqueles que também deveriam ter feito e não fizeram.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje

Pedir o pão significa pedir o mínimo de que precisamos para sobreviver. O alimento, assim como diversos outros objetos de nosso consumo, podem ser chamados de "bênçãos excludentes" - aquelas que, se eu consumir, outros não vão poder consumir. Isso porque os recursos são finitos.

A orientação de Jesus para que peçamos o mínimo está diretamente relacionada com o fato de que não existe suprimento em abundância para todos. A abundância de uns determina a privação de outros. Por isso a necessidade de tomarmos o caminho do esvaziamento. O que eu consumir em excesso determinará a privação de alguém.

O que deixa clara essa necessidade de preocupação com as necessidades do próximo é o fato de que o pão é nosso, não é meu: que o pão nosso, nos seja dado hoje... a todos nós, irmãos, família humana. O desperdício de uns não passa despercebido, pois falta aos outros.

No entanto, como o que se consome em excesso na América falta na África, parece que nós consumidores não temos responsabilidade, o problema seria culpa deles mesmos. Pensando assim, livramo-nos de qualquer preocupação com o bem-estar daqueles que sofrem a falta de alimentos.

No entanto, isso é um grande engano, pois somos responsáveis uns pelos outros.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Assim na terra como no céu

Deus está no céu, segundo Jesus afirma no início da oração. Ele não está aqui, Ele é o Grande Ausente.

No português, ao menos, há uma dubiedade de sentidos na frase título desse post. De duas, uma:

- A vontade do Grande Ausente é feita no céu, e da maneira como é feita lá deve ser feita aqui; ou
- A vontade do Grande Ausente não é feita nem na terra nem no céu, mas devemos pedir a Ele que a realize, aqui e lá.

É tudo que consigo enteder dessa expressão.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O esvaziamento necessário

(Pequena pausa na sequência de posts sobre a oração de Jesus, que logo retorna).

A experiência humana é inversa à de Deus.

O ser humano nasce do nada e sem nada, e ao longo de sua existência acumula e enriquece. Deus é tudo, tem tudo e não é nascido. Aquele que tem tudo e é tudo, no entanto, deixa tudo para se tornar nada. Nada acumula, e na cruz morre sem nada.

Paulo fala na kenosis, a experiência do Deus que, em Cristo, se esvazia. Os teólogos ortodoxos se apressaram em entender uma kenosis que não retirasse de Deus seus atributos, pois, sem eles, não seria Deus. Isso tem pouca relevância para nosso dia a dia. Imitar a kenosis de Cristo, no entanto, faz toda a diferença.

A vida do ser humano dura pouco tempo, é como uma erva que nasce e logo seca. Nesse breve lapso de tempo ele é convidado a inverter seu caminho de acumulação e enriquecimento, para olhar de volta o ventre e desejar o retorno à ausência de bens. Convidado a desfazer a acumulação e o enriquecimento. A caminhar para a cruz da entrega de tudo.

O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Venha o teu reino, seja feita a tua vontade

Esse post é essencialmente conceitual. Vamos lá.

O reino de Deus equivale à vontade de Deus. Ou seja, tanto mais o reino se estabelece quanto mais a vontade de Deus é praticada. Quanto mais de um (vontade de Deus praticada), mais de outro (estabelecimento do reino de Deus), quanto menos de um, menos de outro.

Resta saber, no entanto, o mais difícil: afinal, o que é a vontade de Deus?

A argumentação fácil, mas impossível de ser compreendida, é de que a vontade de Deus são os seus ensinamentos, que estão espalhados por toda a Bíblia. Esse é uma definição inviável, pois da Bíblia se extrai fundamento para posturas e atitudes que podem ser opostas umas às outras.

Minha definição simples é que a vontade de Deus equivale à melhor decisão possível, em cada situação vivenciada, tendo em mente a máxima "amar ao próximo como a si mesmo". Nessa linha de pensamento, não existe um cânon do certo e do errado, uma cartilha a ser seguida, como, mesmo que informalmente, têm todas ou quase todas as religiões.

Dietrich Bonhoeffer explica com clareza que a vontade de Deus só se estabelece nas situações concretas, não existindo o certo e o errado por antecedência. Sua compreensão teológica a respeito do tema vem de sua prática: matar é errado, mas ele entendeu que como discípulo de Cristo deveria participar do atentado contra a vida de Hitler.

É complicado levar esse paradigma, ou ausência de paradigma, às últimas consequências: os seres humanos preferem parâmetros claros e bem estabelecidos que possam seguir, e que possam ser utilizados na hora de se tomar decisões. Do outro lado, existe a liberdade de decidir e arcar com a responsabilidade dos próprios atos, a partir da observação à máxima acima mencionada.

O reino vem não como um passe de mágica, ou um vento que sopra, mas como resultado da orientação em seguir os passos de Jesus de Nazaré, que viveu por amor ao próximo.