sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Brunelli e o ocaso do protestantismo

A questão que coloco é saber se Brunelli é produto ou negação do protestantismo. Se ele é produto, torna-se necessário rever o protestantismo, se ele é a negação, expurga-se Brunelli. Defendo que Brunelli seja produto, consequência natural da exploração extrema dos princípios fundamentais do protestantismo.

O indivíduo Brunelli, por si, não haveria de determinar a revisão do protestantismo - isso não faria sentido. Brunelli é tomado aqui como o emblema de uma geração evangélica que tem produzido crentes pragmáticos tanto na vivência da fé como na conduta mundana.

De tão emblemático, o episódio da oração de Brunelli contém elementos que apresentam adequados a servir de base para a argumentação aqui proposta. Por motivos didáticos, procurei esboçar a proposta mediante a substituição dos princípios fundamentais do protestantismo por outros semelhantes.

Autoridade suprema de Cristo, em detrimento da autoridade suprema das escrituras. A Bíblia como referência permite que se adotem como padrão diversos de seus personagens, e que se absolutizem as situações ali narradas. Nesse sentido, Jacó pode ser o paradigma do crente moderno, a despeito de sua conduta egocêntrica e trapaceira. Sua conduta, no entanto, não é aceita em condições sociais nas quais já ocorreu o advento do reino de Deus, e a manifestação de Cristo. Nesse ambiente de boas novas, toda conduta há de se submeter ao pressuposto condicionante que é o reino de Deus, e o modelo de cidadão do reino que é Cristo.

A ausência de condenação moral a Jacó na narrativa de Gênesis, e sua escolha para a constituição da nação de Israel, absolutizadas pela autoridade suprema das escrituras, confere ao crente, em função do paradigma, a ideia de que pode dispor das coisas como lhe convem, visto ser ele escolhido. Ele não está vinculado a regras como os demais - é ungido de Deus. Assim é Brunelli.

Em Cristo essa realidade muda de figura, e Jacó aparece como oposição ao procedimento do servo sofredor. Com a autoridade suprema de Cristo, estabelece-se paradigma excludente, no qual qualquer comportamento em oposição ao de Cristo deverá ser rejeitado, não por ser pecaminoso ou por qualquer outra razão de cunho meramente conceitual - será rejeitado porque não se conforma com o padrão de amor, serviço e entrega.

A autoridade suprema de Cristo impõe que a leitura bíblica seja toda feita a partir dele, e escrutinada em função daquilo que falou e viveu.

Diaconato universal de todos os crentes em oposição ao sacerdócio universal de todos os crentes. Lutero ao tentar desmontar a hierarquia e o poder da Igreja, particularmente em relação ao indivíduo, concedeu enorme relevância a essa doutrina periférica no Novo Testamento, que é o sacerdócio universal de todos os crentes. Como elemento de enfrentamento do clero a tese funcionou, mas a custa de elevar todos os crentes à condição de sacerdotes, ou seja, dotados das características próprias deles, em particular o relacionamento privilegiado com Deus, o conhecimento da verdade, a mediação.

Esse simples conceito é o estimulador da fragmentação protestante, na medida em que todos e cada um têm o acesso a Deus e ao conhecimento da verdade, podendo criar suas próprias vias eclesiásticas. Cada um é sacerdote, e cada líder um ungido, escolhido de Deus.

Cristo opôs-se ao sacerdócio, e sua consagração sacerdotal tardia, no livro de Hebreus, é um tanto discutível, visto que ele se apresenta como o servo sofredor. O diaconato, por sua vez, visa incutir no crente a consciência de serviço, de humildade, disposição para a cruz, em oposição ao sacerdote exigente que, por ser próximo a Deus entende-se sujeito de privilégios.

Brunelli é a expressão maior da figura do sacerdote no âmbito evangélico - é o ungido, um mediador, e detentor de privilégios.

O reino de Deus como elemento central do discurso e da prática do crente em oposição ao conceito da salvação pela graça mediante a fé somente. Cristo veio anunciar o reino, e não a salvação das almas dos homens. A salvação remetida para uma vida além dessa promove a acomodação que legitima a ação de Brunelli. Pouco interessa essa vida. Ao contrário disso, o reino que veio e que vem é motivação para a luta diária - nós somos os agentes de sua implantação, à semelhança de Cristo.

O protestantismo contém em si a semente que permite sua releitura. As colocações acima são protesto contra o protestantismo - a apontam para a necessidade de sua revisão. Para quem admite o protestantismo ideologizado isso não será possível, mas para quem o entende como igreja reformada, sempre se reformando, a compreensão pode ser factível.

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