terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Evangelização

Nunca tive muita dificuldade em comunicar minha fé, e, de maneira mais específica, tentar levar outras pessoas a crer no que creio - ou, evangelizar no sentido usual da palavra no meio protestante. Já fiz de tudo em termos de evangelização, até mesmo para provar a mim mesmo minha devoção a Jesus Cristo. Agi assim, ao longo de muitos anos - quase trinta e cinco, considerando que minha militância proselitista começa quando eu tinha a idade de 11 anos.

Fico um pouco pasmo com a dificuldade que outros crentes têm de comunicar sua fé. Há pouco tempo atrás, a igreja que frequento resolveu transferir sua atividade da manhã de domingo para o eixão. Lá fui eu. Entendi que a ideia era evangelizar os transeuntes. Peguei os folhetos e fui fazer isso - praticamente sozinho. Fiz apesar de não mais entender que a boa nova do reino deva ser comunicada com propósitos proselitistas, e, sim, ser vivida no dia a dia.

Deixar de crer que se deva cooptar outros para sua própria fé é um alívio. Pois o crente sempre se sente em dívida com Deus e todos, porque não tem coragem de pregar o evangelho, e muitas almas podem ir diretamente para o inferno se não acatarem a mensagem da salvação em Cristo. Assim, aquele que deixa de crer nessa imposição, sente-se livre de enorme peso.

E, qual foi a mudança que me fez parar de pregar o evangelho?

Em primeiro lugar, a ideia de que existe uma contradição entre salvação da alma e ressurreição dos mortos, e que a pregação genuína do cristianismo é a segunda opção, e não a primeira, que seria uma herança grega embutida no cristianismo, conforme nos explica Oscar Cullmann. O que estaria a nossa frente seria a redenção da humanidade, mediante a ressurreição dos mortos, e não a salvação das almas daqueles que confessaram o nome de Jesus Cristo como seu salvador pessoal, ainda em vida, mediante um passo de fé.

Essa compreensão desloca a atenção que o cristão coloca nas regiões celestes e no futuro distante para a terra e o presente. A redenção que ocorre na história vem como promessa mas é construída pelos discípulos do Salvador.

Em segundo lugar, porque a conversão a um credo e a um código moral não me parecem, hoje, fazer algum sentido. A conversão que a cruz de Cristo requer de alguém é a conversão ao próximo, como única forma de se converter a Deus. Ainda que seu nome não seja confessado em alta voz. A confissão silenciosa de quem ama é muito mais concreta do que a confissão barulhenta de quem continua amando mais a si próprio do que ao próximo, este mal que é a fonte de toda a corrupção humana.

Em terceiro lugar, porque não faz sentido acreditar que a salvação de alguém, qualquer que seja a compreensão desse conceito, depende de uma pregação e uma conversão a um credo. Se isso faz algum sentido, mesmo no ocidente cristão seria impossível oferecer tal pregação a todos, o que se dirá da África e da Ásia.

Conquanto o discurso acima possa - e vá ser - rotulado de liberal, o fato é que a opção pela vivência da boa nova do reino, com suas exigências, é uma tarefa muito mais dura do que o exercício da pregação evangelizadora. É fácil passar a manhã de domingo no eixão distribuindo folhetos e levando a mensagem da salvação, conforme a entende o protestantismo ortodoxo. Difícil é atender às exigências desse evangelho, ou à exigência do evangelho, que é única: amar ao próximo como a si mesmo.

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